A arte mais bela é o amor ao próximo.

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

A Ciência Jurídica e as Artes Plásticas

Giovanni D’Andrea - Giov. D'And.

Artigo apresentado em Seminário de Direito Civil;
Publicado na REVISTA ÂMBITO JURÍDICO® e
Plataforma Jurídica DIREITONET.

Resumo: Abordar-se-á a dificuldade de fazer prevalecer a função social da lei em proteger juridicamente os criadores e suas criações visuais, inobstante as iniciativas legislativas brasileiras de suporte ao artista plástico.

Palavras-chaves: Direito Autoral. Direito de Sequência. Droit de Suite. Convenção de Berna. CUDA. TRIPs. Lei 9.610. Artista Plástico. Artes Plásticas. Pintura. Escultura. Desenho. Arquitetura.

1. INTRODUÇÃO

Numa breve observação percebemos que a proteção jurídica aos direitos autorais ganhou força mundial com a “Convenção de Berna[1] para a Protecção das Obras Literárias e Artísticas de 09 de Setembro de 1886, completada em Paris a 04 de Maio de 1896, revista em Berlim a 13 de Novembro de 1908, completada em Berna a 20 de Março de 1914 e revista em Roma a 02 de Junho de 1928, em Bruxelas a 26 de Junho de 1948, em Estocolmo a 14 de Julho de 1967 e em Paris a 24 de Julho de 1971”.[2] No Brasil a Convenção de Berna foi promulgada pelo Decreto nº 75.699, de 06 de maio de 1975. Neste mesmo ano, em 24 de dezembro, o Decreto nº 76.905 promulgou a Convenção Universal sobre o Direito de Autor (CUDA) estabelecendo em seu artigo primeiro que os Estados, inclusive o Brasil, comprometem-se a tomar todas as disposições necessárias para assegurar a proteção suficiente e eficaz dos direitos dos autores e de quaisquer outros titulares dos mesmos direitos sobre as obras artísticas, tais como as pinturas, gravuras e esculturas, além das produções literárias e científicas .

Em 30 de dezembro de 1994, através do Decreto nº 1.355 é promulgada a ata final que incorpora os resultados da rodada Uruguai de negociações comerciais, multilaterais do GATT, estabelecendo acordo sobre aspectos dos direitos de propriedade intelectual relacionados ao comércio – Acordo TRIPs, que em seu artigo 9º estabelece que seus membros cumprirão o disposto nos artigos 1º a 21 e no apêndice da Convenção de Berna. A partir daí a Lei n° 9.610, promulgada em 19 de fevereiro de 1998, que derrogou a Lei 5.988/73, altera, atualiza e consolida a legislação sobre direitos autorais. Pelo simples fato desta lei regular os direitos de autores literários, científicos e artísticos, serão enfocados os dispositivos que guardam relação direta com o artista plástico[3] e suas criações visuais, objeto do presente.

O artigo 7º, da referida Lei, define como “obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro”, tais como, no caso das artes plásticas: as obras fotográficas e as análogas; as obras de desenho, pintura, gravura, escultura, litografia e arte cinética[4]; as ilustrações, cartas geográficas e as de mesma natureza; e, os projetos, esboços e obras plásticas concernentes à geografia, engenharia, topografia, arquitetura, paisagismo, cenografia e ciência.

2. DO REGISTRO DAS OBRAS

De acordo com o artigo 18: “a proteção aos direitos de que trata esta Lei independe de registro”, ou seja a exigência de registro é opcional, mas o registro traz a facilidade de comprovação da autoria, o que permite ao artista exercer seu direito autoral com mais facilidade caso seja necessário, inclusive pleiteá-lo em juízo. O direito nasce com a criação do artista, diversamente do que acontece, por exemplo, com as patentes que exigem a declaração estatal. Podem ser registrados como obra de arte o desenho de jóias, personagens, logomarcas etc, a fotografia, a pintura, a litografia, a gravura e a escultura. Como se depreende da lei, também é passível de registro a arte aplicada cujo valor artístico pode dissociar-se do caráter industrial do objeto a que estiverem sobrepostas. Interessante notar que a cópia da obra de arte feita pelo próprio autor goza da mesma proteção de que goza a obra original.

É facultado ao autor registrar a sua obra no órgão público definido no artigo 17 da Lei nº. 5.988, que conforme este, para segurança de seus direitos, o autor da obra intelectual poderá registrá-la na Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro[5]. Para o caso de registro o autor deverá entrar no site da Escola de Belas Artes[6], clicar em direitos autorais, fazer o download do formulário, preencher e encaminhar pelos Correios ou levar pessoalmente anexando duas fotos da obra, assinada pelo autor, pagar a taxa de R$ 80,00 (oitenta reais)[7] no Banco do Brasil. No caso de cessão da obra, é necessário que no conjunto de documentos, o respectivo contrato, devidamente assinado com duas testemunhas, seja registrado em cartório.

3. DIREITOS MORAIS E DIREITOS PATRIMONIAIS

O direito de autor protegendo o autor e sua obra, considerando o tempo da proteção, tem por objetivo garantir a este uma participação financeira e uma moral em troca da utilização da obra que criou. Num rápido olhar, podemos observar que os direitos autorais sobre a obra que criou se subdividem em duas espécies: Direitos Morais e Direitos Patrimoniais. Esta bipartição caracteriza a Teoria Dualista, adotada pela legislação brasileira, no que difere da Teoria Monista que funde ambos os conceitos, considerando-os único, enfocando a denominação mais abrangente: Direitos Autorais.

São direitos morais do autor: o de reivindicar a autoria da obra; o de ter seu nome, pseudônimo ou seu sinal indicativo como sendo o do autor; o de conservar a obra inédita; o de assegurar a integridade da obra, opondo-se a quaisquer atos que possam prejudicá-la ou atingi-lo, como autor, em sua reputação ou honra; o de modificar a obra; o de retirar de circulação a obra ou de suspender qualquer forma de utilização já autorizada, quando a circulação ou utilização implicarem afronta à sua reputação e imagem; e, o de ter acesso a exemplar único e raro da obra, quando se encontre legitimamente em poder de outrem, para o fim de que por meio de processo fotográfico, assemelhado ou audiovisual seja preservada sua memória. Importante esclarecer que os direitos morais do autor são inalienáveis e irrenunciáveis, evitando assim possíveis desequilíbrios contratuais que venham a ferir o autor ou sua obra. Esta ligação entre o artista e sua arte, criador e criação, é uma relação de ordem emocional íntima, que permite ao artista acompanhar o destino de sua obra, e que se prejudicada deverá ser pleiteada em juízo através da difícil valoração estabelecida pelos direitos morais.

Quanto aos direitos patrimoniais do autor, a Constituição Federal reza em seu artigo 5º, XXVII que: “aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar”[8]; já no artigo 28 da lei em pauta temos que “cabe ao autor o direito exclusivo de utilizar, fruir e dispor da obra literária, artística ou científica.” A lei deixou para o artigo 41 a fixação do tempo, sendo que estes, os direitos patrimoniais do autor, perduram por setenta anos contados de 1° de janeiro do ano subsequente ao de seu falecimento, obedecida a ordem sucessória da lei civil[9]. Após este período, hoje definido em setenta anos a obra cairá em domínio público, não havendo mais necessidade de autorização para sua utilização, mas sempre deverá respeitar os direitos morais do autor. A duração da proteção concedida pela Convenção de Berna estende-se até cinquenta anos após a sua morte, inobstante deixar claro que a duração será regulada pela lei do país em que a proteção for reclamada[10]. Com exceção dos rendimentos advindos da exploração, os direitos patrimoniais não se comunicam, salvo pacto antenupcial em contrário.

4. DROIT DE SUITE

Droit de suite ou direito de sequência ou direito de participação ou, ainda, direito de revenda, trata-se de um direito de recebimento do artista em relação à venda de suas obras no mercado de arte. Direito de participar da mais valia (plus-valia) que advier ao vendedor em cada nova alienação, recebendo o autor da obra um percentual, fixo ou variável, de acordo com o país, estabelecido na legislação pertinente[11]. De origem francesa, é um direito difícil de ser respeitado pela ingrata fiscalização das revendas trazendo inviabilidade na cobrança, por outro lado, se devidamente respeitado este percentual que cabe ao autor da obra será, com certeza, transferido ao comprador final através de preços mais altos, dificultando as vendas e indiretamente prejudicando o autor.

O fundamento da criação do droit de suite é trazer equilíbrio financeiro, portanto, justiça econômica nas transações efetuadas, principalmente quando a obra é valorizada no mercado de arte, geralmente porque o nome do artista chegou ao conhecimento do grande público, sendo que normalmente as obras iniciais foram vendidas por preços módicos e os intermediários, inobstante estarem trabalhando, ou os atuais proprietários se enriquecem em cima da valorização do nome do artista, que na história da humanidade é sabido que muitos morreram na extema miséria. Então este direito de participação favorece não somente aos autores, mas também seus herdeiros e instituições que porventura detenham a obra objeto da transferência de propriedade. Notoriamente é um avanço na proteção daquele que mais trabalhou: o artista.

No Brasil o direito de sequência pode ser encontrado no artigo 38, que in verbis esclarece: “O autor tem o direito, irrenunciável e inalienável, de perceber, no mínimo, cinco por cento sobre o aumento do preço eventualmente verificável em cada revenda de obra de arte ou manuscrito, sendo originais, que houver alienado”; Já no parágrafo único lemos: “Caso o autor não perceba o seu direito de seqüência no ato da revenda, o vendedor é considerado depositário da quantia a ele devida, salvo se a operação for realizada por leiloeiro, quando será este o depositário.”

Em alguns países da Europa e da América Latina, os direitos de exploração das criações visuais são exercidos por sociedades de gestão coletiva, afastando a intromissão do governo na cobrança do direito, fazendo dela um acerto particular, facilitando o controle por parte dos autores, a fim de que seus direitos sejam aplicados.

5. TÓPICOS OUTROS

É necessário a autorização prévia e expressa do autor, que se presume onerosa, para a utilização da obra, por quaisquer modalidades, tais como: a reprodução parcial ou integral; a utilização, direta ou indireta, da obra artística mediante exposição de obras de artes plásticas e figurativas. Porém, quando as obras estiverem permanentemente em locais públicos poderão ser representadas livremente por meio de pinturas, desenhos, fotografias e procedimentos audiovisuais. O criador da obra, portador do direito autoral, no exercício do direito de reprodução, poderá colocar a obra à disposição do público na forma, local e pelo tempo que desejar, onerosa ou gratuitamente.

O autor de obras fotográficas tem o direito de reproduzi-las e vendê-las, observadas as restrições quanto à exposição, reprodução e venda de retratos, sendo que também deverá respeitar os direitos de autor de obra plástica protegida que for fotografada. A aquisição do original ou de exemplar de uma obra não confere ao adquirente qualquer dos direitos patrimoniais do autor, salvo convenção entre as partes e dispositivo legal em contrário.

O autor de obra de arte plástica, ao alienar o objeto em que ela se materializa, transmite, salvo acordo em contrário, o direito de expô-la; em contrapartida pode o autor retirar de circulação a obra ou suspender qualquer forma de utilização já autorizada, como uma faculdade que protege um interesse de índole moral do autor, pois, a hipótese legal está condicionada à ocorrência de afronta à reputação e imagem. Muito importante quando o adquirente se trata de um museu ou galeria cujo interesse na aquisição reside exatamente na exposição ao público ou revenda das obras. Porém a lei faculta ao autor a possibilidade de excluir este direito, se no ato de alienação houver expressamente disposição contrária. Em suma: o adquirente tem o direito de expor a obra e o autor o de suspender a autorização de exposição da obra, salvo cláusula contratual contrária.

A lei brasileira apenas reservou ao autor o direito de preservar sua memória, causando o menor inconveniente possível a seu detentor. Sob a ótica de um autor de obra de artes plásticas, na prática, essa faculdade se encontra muitas vezes prejudicada em seu exercício pela inexistência de mecanismos que permitam ao autor a localização de suas obras. Não tratou da questão da destruição pelo autor, nem pelo proprietário do objeto em que a obra se materializa, quando a obra já não lhe interessa. De maneira diferente, algumas legislações preveem esta possibilidade por parte do adquirente de destruir a obra, respeitando e conciliando os direitos do autor, sendo que a este será oferecida a obra pelo preço do suporte e nesta impossibilidade, o autor terá o direito de reproduzi-la antes da destruição.

O titular, cuja obra seja fraudulentamente reproduzida ou divulgada, poderá requerer a apreensão dos exemplares reproduzidos ou a suspensão da divulgação, sem prejuízo da indenização cabível, sendo que quem editar a obra, sem autorização do titular, perderá para este os exemplares que se apreenderem e pagar-lhe-á o preço dos que tiver vendido. As sanções civis aplicam-se sem prejuízo das penas cabíveis; sendo que a sentença condenatória poderá determinar a destruição de todos os exemplares ilícitos e dos elementos utilizados para praticar o ilícito civil, assim como, poderá determinar a perda de equipamentos e insumos destinados a tal fim ou a destruição se servirem eles unicamente para o fim ilícito.

5. CONCLUSÃO

Inobstante a proteção aos direitos autorais, de acordo com a legislação pátria positiva, se fazer valer independentemente do registro, é notório que o registro facilita o ônus probatório no caso de uma necessidade perante juízo. Porém, o fato do valor ser considerável alto para o registro de uma única obra (valor considerado para o artista de pouca ou média atuação no mercado), sem falar na burocracia, sendo que um artista produz em média uma razoável quantidade de obras, somado ao custo do material e de gastos outros que o artista precisa dispor, e, dada a dificuldade de se acompanhar, perante os revendedores o direito de sequência; é consideravelmente difícil que o Estado Brasileiro, observada a realidade do mercado de arte para a grande maioria dos artistas, esteja cumprindo esta função social frente aos artistas plásticos.

Se no Brasil, inobstante os esforços legislativos, ainda é difícil tão somente o registro da obra de arte, quanto mais o será a percepção do droit de suite.

Referências: [...]
Notas: [...] 
...
Outros artigos publicados:
Competência do Superior Tribunal Militar para Julgamento de Ações Relativas às Transgressões Disciplinares
Histórico da Responsabilidade Civil do Estado
O Direito de Matar e o Dever de Morrer
O Administrado e a Administração no Processo Administrativo
Amplitude do Direito ao Silêncio
Comentários ao Artigo 366, CPP