Quando me contaram, calculei que fosse mero conto da carochinha ou de fadas, dessas estorinhas que se conta pra boi e criança dormirem, mas disseram que não, que era, mas que era mesmo, uma história verídica e verdadeira, com fatos, acontecimentos e pessoas reais, que existem, de fato, na vida real, que retrata a realidade atual, se é que me entende.
Pra não parecer que aumento um conto no ponto, ou vice-versa, vendo o peixe exatamente pelo mesmo preço que comprei, vez que sou vendedor de sonhos, mercador da vida. Como foi exatamente? Num sei, só sei que foi assim...
Era uma vez... Sim, era...
Uma pequenina criança que havia sido abandonada na porta de um castelo construído com blocos de pedras frias e gélidas; muito estranho, de um formato peculiar, que até, eu disse "até", que parecia um pequeno coração, que embora agradável, e, que poderia ser maior do que o mundo, mas por um costume muito antigo, que remontava séculos e seculares, ele estava sempre bem encolhido, aparentemente insatisfeito, se couber este adjetivo para um castelo.
O rei, leão assim considerado por sua força, inteligência e destreza, sempre assoberbado de afazeres que considerava mais importante, praticamente abandonou o castelo nas mãos de uma bruxa malvada, a Ira Colérica, madrasta má de dois filhos do rei sem súditos, o Orgulho Egóico e o Egoísmo Orgulhoso, que fez essa criança desprezada, boa para ser serviçal, pra fazer todo o serviço do castelo e da vida.
A criança, foi crescendo, aos poucos, óbvio e foi se transformando em uma menina de lábios vermelhos de rubi, olhos pretos de jabuticaba e pele branca de neve, não era exatamente feia... Sem precisar e sem exagero, sentia-se um patinho feio ao lado dos irmãos luxuosamente ornamentados para as festas que a Dona Vaidade Ostentosa ostentava pelo mundo. Ela tinha cabelos tão compridos, mas tão compridos, que se quisesse poderia até jogar pela janela, para alguém subir e salvá-la, já que nunca tinha saído de casa, enclausurada pela maldade das irmãs, aliás irmãos, mas infelizmente não havia príncipe, nem ninguém para fazê-la se sentir melhor, nem mesmo um sapo que fosse.
Humilde, coitada, até dava dó dela, até ela mesma tinha dó dela mesma. Vestia retalhos costurados, um chapeuzinho vermelho e somente tinha um pé de um sapatinho, de cristal, que parecia uma imitação e nem podia mesmo calçar, senão ficaria dando mancadas; não exatamente como uma pessoa coxa. Sem falar que era de um tamanho peculiar que somente cabia nos pezinhos da jovem mocinha, o que lhe causava certo retraimento por parte dela e acabava por se sentir um pouco deslocada. Se é que me entendem...
Solitária, sua única companhia era uma gata. Borralheira, era assim chamada, porque sempre tinha que limpar o borralho do fogão de lenha, que sujava a casa toda, depois de apagado o fogo, pois nem nome tinha, não tinha nada. A bem da verdade, Borralheira não exatamente limpava o borralho, ela simplesmente se deitava demoradamente no borralho ao ponto de ficar com os belos e os feios (tinha duas cores) pelos chamuscados, mas valia pena pelo descanso da vida atribulada do castelo. Imagine para a dona dela, que confusão viver ali. Coitada!
Infeliz, questionava-se sobre a razão de seu sofrimento. Seria culpa do dono do castelo, mero acaso ou capricho do destino? Mas, no fundo, no fundo, ela sabia que a divina majestade, como chamava o rei, leão ou não, pois sabia que ele era estranhamente guiado pelo que ele considerava ser Deus, aliás, era um homem bom, apesar de não fazer tanto o bem e nunca ter tido tempo para ela.
Sentindo-se feia e desconsolada, com tamanhas dificuldades, da janela do castelo, de onde contemplava a amplidão dos Cosmos e também uma estrela qualquer. Humildemente ficava imaginando como sua vida seria agradável se duas faíscas brilhantes da estrela mais verde chamuscassem suas vistas e não as cegassem, claro, tornando-as duas grandes gemas de esmeralda. Pois assim, saberia que nem tudo estaria perdido em sua vida, olhando no espelho poderia até se perguntar: Espelho, espelho meu, em todo o reino do Céu e da Terra, há alguém de mais bela... Vida, do que eu?
O tempo passou, passou e apareceu uma fada madrinha que se apresentou como um anjo guardião, protetor dos sofredores desconsolados e inconsoláveis, dizendo que lhe velava na alegria e na tristeza, e, ao seu simples comando, tal um(a) gênio(a) de uma lâmpada mágica, eis que duas faíscas se desprenderam dos céus, em direção aos seus olhos, que passaram a ter um constante brilho esverdeado (o mundo parou!).
- "Que reflete o que sempre senti", a triste e quase bela menina mentalmente reparou.
A fada, espírito amigo, das mais altas esferas espirituais, também disse que a partir deste instante ela teria um nome, mas sussurrou tão melífluo, que somente ela conseguiu captar, sem provocar a inveja dos outros invejosos moradores do castelo (duas irmãs, digo irmãos, uma unidade de madrasta e alguns pequenos e singelos animais). Entendi que foi: "Ah, Inominada". Tipo assim "a" com "h"; eu ri muito quando ouvi, mas não debochei, lógico, até porque eu não entendi rs...
Neste momento, ouviu-se um barulho na porta e como todo o peso das tarefas era sempre dela, foi abri-la e aproveitar para ver o castelo do lado de fora. Ela fez tudo muito rapidinho, que nem deu tempo do rei se dar conta que aquela menina, rara espécie de linda princesa, era a mesma criança abandonada, plantinha frágil que somente precisava ser regada com carinho e atenção.
Extasiada, viu o estranho formato do castelo, abraçou o dono (já que estava presente em corpo e ausente em espírito), tão suave quanto o reflexo n'água de uma linda ave branca, como uma pequena sereia, dançando em águas cristalinas... E, estendendo ambas as mãos, como quem prestes a dar um saudoso abraço, apresentou-se:
-- EU SOU A ESPERANÇA E MORO NO SEU CORAÇÃO!!!
-- E daí? Bom pra você...
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