Trechos disseminados no Livro CLARA SCHUMANN, la vie à quatre mains, Catherine Lépront, tradução Eduardo Brandão.
Se não se encontravam, marcavam
estranhos encontros: “Concebi um projeto simpático: tocarei amanhã, às 11 horas
em ponto e pensarei bastante em
você. Resta pedir-lhe para fazer a mesma coisa [...] Clara
responde: Estarei amanhã, conforme seu desejo [...]
Quanto à Arte, também apresentou
uma dupla face, um duplo caráter: ela estava presente, sem dúvida nenhuma, nas
improvisações de Robert, em suas histórias [...] Era “arte”, mas impalpável,
indizível. Uma presença. Por outro lado os exercícios ao piano, os estudos, a
prática, a técnica, “toda uma arte”, dizia Wieck, mas real, concreta, como que
encarnada pelo rigoroso professor que não tinha a menor propensão aos devaneios
e desconfiava da fantasia, sobre a qual sua autoridade não tinha o menor controle.
Clara também assistiu às
“querelas inauditas” deles, às “lutas penosas” empreendidas por Friedrich Wieck
para persuadir Schumann de que “a própria essência da arte pianística” consistia
em conquistar “um domínio do mecanismo, constante, frio e refletido”. E,
principalmente, que ele necessitava de “precisão, igualdade, ritmo, pureza para
adquirir um toque elegante...” – no que tinha razão, mas sempre acrescentava:
“... a despeito da sua exagerada fantasia”. Banir a fantasia, o devaneio, a própria
essência da arte romântica? Impossível para Schumann... Não era uma prova,
fornecida por Robert Schumann, de que é possível opor-se ao mestre?
Cento e trinta e oito lieder de
rara beleza, apenas no ano de 1840. ‘Mas, de onde lhe vêm todas essas
centelhas?” [...] Vinham de uma prodigiosa cultura literária [...] por causa
daquela ‘fisionomia’ particular de Schumann, talvez o mais erudito entre os
músicos alemães, mas que uma extrema sensibilidade, uma imaginação
transbordante, assim como a angústia e a intuição da loucura salvavam do puro
intelectualismo.
Mas, Clara apenas entreviu o
mundo fantástico cuja existência Robert, com suas histórias, lhe evocara – e
ele permaneceu incompreendido por ela. Do mesmo modo, este outro modelo de
comportamento que ele propunha com a sua simples presença. [...] Sempre a sua fantasia... Ela era
“magnífica” apenas para seus amigos e para Clara, quando se tratava de ouvi-lo
improvisar ao piano e contar suas histórias [...]