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sábado, 7 de setembro de 2024

Deserção Quanto ao Momento Consumativo - Giovanni D'Andrea (Giov. D'And.)

Deserção Quanto ao Momento Consumativo Resumo: Abordar-se-á a classificação da deserção quanto ao momento consumativo, questão que influencia, não só a prescrição[1], mas também a autorização da prisão do indiciado, após a configuração da materialidade do crime, independente da “ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente”, conforme artigo 5º, LXI, CF; ao tempo em que serão trazidas jurisprudências e opiniões doutrinárias como sendo crime permanente, instantâneo ou instantâneo de efeitos permanentes. Palavras-Chaves: Deserção. Desertor. Crime Instantâneo. Crime Permanente. Direito Penal Militar. 1. INTRODUÇÃO O delito de deserção encontra-se no Capítulo II, do Título III, do Livro I, da Parte Especial do Código Penal Militar, no artigo 187, verbis: “Ausentar-se o militar, sem licença, da unidade em que serve, ou do lugar em que deve permanecer, por mais de oito dias”; comutando como pena a detenção de seis meses a dois anos, agravada se o agente for oficial. Cumpre observar que este delito também é punível em tempo de guerra. 2. CLASSIFICAÇÃO DOS CRIMES QUANTO AO MOMENTO CONSUMATIVO Classificação normalmente dividida em três tipos. Em um, considera que crime permanente é aquele cujo momento consumativo se protrai no tempo segundo a vontade do sujeito ativo do delito. Nesses crimes a situação ilícita se prolonga no tempo de modo que o agente tem domínio sobre o momento consumativo do crime, v.g. o crime tipificado no artigo 149, do Código Penal comum, a redução a condição análoga à de escravo, pois enquanto durar os “trabalhos forçados ou a jornada exaustiva […]” o crime ainda estará em fase de consumação. Em dois, crime instantâneo é aquele cuja consumação se perfaz num só momento. É o crime sobre o qual o agente não tem domínio sobre o momento da consumação, razão pela qual não pode impedir que o mesmo se realize. No crime instantâneo, atingida a consumação, chega-se a uma etapa do iter sobre o qual o sujeito ativo perde o domínio da condução do desdobramento causal. Isto porque o que caracteriza o evento consumativo é uma aptidão autônoma de aperfeiçoamento do resultado, independentemente da vontade ou intervenção humana. E, em três, aponta como crime instantâneo de efeitos permanentes aquele cuja permanência dos efeitos não depende da vontade do agente. Na verdade, são crimes instantâneos que se caracterizam pela índole duradoura de suas consequências, como no caso do homicídio. Sobre o assunto em comento, impossível não trazer a luz dos ensinamentos de Damásio Evangelista de Jesus, que, dando exemplos do Código Penal comum, inclui abalizados juristas (Antolisei, 1960; Maggiore, 1961; Marques, 1956; Noronha, 1980; Soler, 1978). “Crimes instantâneos são os que se completam num só momento. A consumação se dá num determinado instante, sem continuidade temporal. Ex.: homicídio, em que a morte ocorre num momento certo. Crimes permanentes são os que causam uma situação danosa ou perigosa que se prolonga no tempo. O momento consumativo se protrai no tempo, como diz a doutrina. Ex.: seqüestro ou cárcere privado (art. 148), plágio (art. 149) etc. Nesses crimes, a situação ilícita criada pelo agente se prolonga no tempo. Assim, no seqüestro, enquanto a vítima não recupera sua liberdade de locomoção, o crime está em fase de consumação. O crime permanente se caracteriza pela circunstância de a consumação poder cessar por vontade do agente. A situação antijurídica perdura até quando queira o sujeito, explica José Frederico Marques. Segundo uma opinião muito difundida, o crime permanente apresenta duas fases: 1.°) fase de realização do fato descrito pela lei, de natureza comissiva; 2.°) fase de manutenção do estado danoso ou perigoso, de caráter omissivo. Ocorre, porém, que há muitos crimes permanentes que consistem em pura omissão, pelo que se pode falar em fase inicial omissiva. Ex.: deixar de pôr em liberdade louco restabelecido. Por outro lado, a continuidade dessa situação pode dar-se através de ação, como, p.ex., com atos de vigilância no sentido de impedir o agente a fuga da vítima, de reiteração de ameaças etc. O crime permanente pode atingir bens jurídicos materiais ou imateriais. O crime permanente se divide em: a) crime necessariamente permanente; b) crime eventualmente permanente. No primeiro, a continuidade do estado danoso ou perigoso é essencial à configuração. Ex.: seqüestro. No segundo, a persistência da situação antijurídica não é indispensável e, se ela se verifica, na dá lugar a vários crimes, mas a uma só conduta punível. Ex.: usurpação de função pública (CP, art. 328). No crime necessariamente permanente, o prolongamento da conduta está contido na norma como elemento do crime. No eventualmente permanente, o crime, tipicamente instantâneo, prolonga a sua consumação, como no exercício abusivo da profissão. Ao lado dos crimes instantâneos e permanentes há os instantâneos de efeitos permanentes. São os crimes em que a permanência dos efeitos não depende do agente. Ex.: homicídio, furto, bigamia etc. São crimes instantâneos que se caracterizam pela índole duradoura de suas conseqüências. É preciso distinguir o delito necessariamente permanente do eventualmente permanente e daquele que é permanente só em seus efeitos (instantâneo de efeitos permanentes). Assim, temos crimes: 1º) instantâneos; 2º) necessariamente permanentes; 3º) eventualmente permanentes; 4º) instantâneos de efeitos permanentes. Pode-se falar em delito necessariamente permanente quando a conduta delitiva permite, em face de suas características, que ela se prolongue voluntariamente no tempo, de forma que lesa o interesse jurídico em cada um dos seus momentos. Daí dizer-se que há essa espécie de crime quando todos os seus momentos podem ser imputados ao sujeito como consumação. No seqüestro, qualquer fragmento da atividade do sujeito, posterior ao momento inicial, constitui crime sob o mesmo nomen juris. Nesse crime, qualquer momento posterior ao ato inicial pode ser designado pela forma equivalente ao particípio presente do verbo da figura típica (estar seqüestrando). No eventualmente permanente, o momento consumativo ocorre em dado instante, mas a situação criada pelo agente continua. No instantâneo de efeito permanente, o crime se consuma em dado instante e os efeitos perduram (ex.:homicídio). A distinção entre crimes instantâneos e permanentes tem relevância no terreno da prescrição (CP, art. 111, III); da competência territorial (CPP, art. 71) e do flagrante (estatuto processual penal, art. 303). Também apresenta interesse em casos de sucessão de leis, de legítima defesa e de concurso de agentes” (JESUS, 1995, p. 170, 171 e 172). 3. CLASSIFICAÇÃO DA DESERÇÃO NA HISTÓRIA JURÍDICA PÁTRIA Caracteriza a deserção como crime continuado, que entendemos, com naturalidade, ser o crime permanente, Augier et Le Poittevin (1906, p. 452), quando, citado pelo Dr. Chrysolito, traz um julgado, de 27 de janeiro de 1898, da “Côrte de Cassação Franceza”; quando este também emite sua opinião: “A deserção é um crime continuado e não instantâneo, cujos elementos formadores e consumativos continuam sucessiva e ininterruptamente a existir, uma vez passado o prazo de graça, quando existente. O facto do militar se ausentar mesmo com o animo de desertar, não constitui deserção senão após expirado o prazo, mas, uma vez expirado esse prazo, a infração continúa, n’uma serie de momentos sucessivos e consumativos. “(GUSMÃO, 1915, p. 97,98) “Pela nossa legislação o crime de deserção é um crime continuado, cuja prescrição […] o delicto de deserção não é um delicto sucessivo; que seus dous elementos constitutivos são o abandono da bandeira pelo militar e a ausência prolongada até a expiração do prazo de graça determinado pela lei; que o delicto existe pela reunião d’esses dous elementos; que não é preciso, aliás, confundir o delicto de deserção com o estado de deserção, o qual póde se continuar durante um tempo mais ou menos longo, mas não poderia exercer nenhuma influencia sobre a data originaria do delicto e sobre seus caracteres legaes” (GUSMÃO, 1915, p. 98). Esmeraldino Bandeira sobre a variação da classificação do crime de deserção, com muita propriedade coloca: “Em seu conceito doutrinário e em sua configuração legal, a deserção ora se apresenta como um delicto instantâneo, ora como um delicto continuado. Conforme se tiver em vista um ou outro d’esses dois aspectos, variará a respectiva definição. Sob o primeiro aspecto, a deserção é a falta de comparecimento do militar ao lugar e ao tempo em que ahi se devia achar por disposição de lei ou por determinação da autoridade competente. E sob o segundo, é a ausência voluntaria, prolongada e illegal por parte do militar, do corpo a que pertence” (BANDEIRA, 1919, p. 101,102). “Em contrario ao ensinamento de Von Liszt – de que é asserção de todo errônea a de ser a deserção crime continuo, argumenta José Hygino, com o art. 76 do predito Codigo, affirmando que é crime continuo a deserção porque a prescrição da acção começa a correr do dia em que, sem a deserção, terminaria o tempo de serviço imposto por lei ou pelo qual o desertor se engajára. Do ensinamento de Von Liszt, aliás, firmado numa decisão do Tribunal do Imperio, e da argumentação de José Hygino, se conclue que no Direito allemão como no Direito brazileiro póde ser a deserção – crime instantâneo e crime continuo ou continuado”. (BANDEIRA, 1919, p. 102, 103). Autores antigos, vistos acima, como Chrysolito de Gusmão, em 1915, e, Esmeraldino O. T. Bandeira, em 1919, opinando sobre o momento consumativo da deserção, falam em crime continuado, instituto previsto primeiramente em 1923, no Decreto nº 4.780, conforme assevera Jacinto N. M. Coutinho (2001, p. 198), mas reparamos que o conceito do crime continuado de outrora, que na verdade se referia ao conceito do crime permanente de hoje, diverge do conceito atual de crime continuado, pois esta modalidade se dá quando um ou mais agentes praticam, com mais de uma conduta, dois ou mais crimes da mesma espécie, mediante ação ou omissão, sendo que os crimes foram executados sob as mesmas condições de tempo, espaço e circunstâncias, que por política criminal, v.g. a aplicação da pena, foram classificados esses crimes na continuidade delitiva. Já Célio Lobão[2], sintetizando, expõe o assunto: “Crime de mera conduta e permanente, ensejando, por este último motivo, a prisão do desertor em flagrante”. Raul Machado (ASSIS, 2004, p. 342) comentando sobre a prescrição da ação do crime de deserção, traz a classificação da deserção como crime permanente: “Sendo a deserção um delito permanente, visto que persiste enquanto a ausência se verifica, a prescrição da ação não deveria correr senão da data em que a permanência cessasse, isto é, da data da captura ou da apresentação do desertor”. “Quanto à natureza do crime de deserção, os autores se alternam, ora entendendo ser crime formal, ora de mera conduta. Alguns entendem ser formal e de mera conduta ao mesmo tempo, e há quem diga ser crime “formal, instantâneo e de mera conduta”. Não há dúvida, entretanto, tratar-se de um crime permanente, cuja consumação se prolonga no tempo. Tenho por mim, atualmente, que esta é a melhor classificação: É permanente porque a consumação se prolonga no tempo e somente cessa quando o desertor se apresenta ou é capturado. E é de mera conduta (ou simples atividade) porque se configura com a ausência pura e simples do militar, além do prazo estabelecido em lei, sem necessidade que da sua ausência decorra qualquer resultado naturalístico. A lei contenta-se com a simples ação (deserção) ou omissão (insubmissão) do agente. Eventual classificação da deserção como delito instantâneo é absurda, visto que o crime instantâneo, conforme leciona Júlio Fabbrine Mirabete, ‘é aquele que, uma vez consumado, está encerrado, a consumação não se prolonga. Isso não quer dizer que a ação seja rápida, mas que a consumação ocorre em determinado momento e não mais prossegue’ (ASSIS, 2004, p.342, 343). As doutas Maria Elizabeth e Zilah Maria muito bem colocam sua posição a respeito do tema: “As características próprias do crime de deserção o apresentam como crime de mera conduta, formal e instantâneo, opondo-se ao crime permanente uma vez que, neste, a consumação se protrai no tempo. Alguns autores afirmam ser a deserção um crime de mera conduta e permanente, vinculando, equivocadamente, data vênia, este último elemento à possibilidade legal de prisão do desertor em qualquer tempo, em flagrante. Se considerarmos, contudo, que a consumação do crime permanente se prolonga no tempo a partir do momento em que seus elementos do tipo se reúnem, mantendo o bem jurídico todo o tempo submetido à ofensa (por exemplo: o seqüestro), é possível concluir, com diversos outros estudiosos do Direito, que o crime de deserção é crime instantâneo, consumado tão logo realizados os elementos do tipo, trazendo, inclusive, a imediata exclusão ou afastamento do desertor do Serviço Militar ativo, mantendo, como efeito penal permanente, apenas a submissão do agente à prisão” (ROCHA; PETERSEN, 2008, p.160). Referindo-se ao inciso LXI, do artigo 5º da Constituição Federal, cerne de nossa questão, os Doutores Cláudio Amin e Nelson Coldibelli ponderam: “Importante salientar que, apesar de o artigo dispor sobre a prisão do “desertor”, esta se justifica pelo dispositivo constitucional, previsto no inciso LXI do artigo 5º, que permite a custódia, independente de autorização judicial, nos crimes propriamente militares, ou seja, que só podem ser cometidos por militares. Acrescente-se, ainda, o disposto no artigo 452 do CPPM. Entretanto, não se admite a prisão do “desertor” em seu domicílio, sem o competente mandado de busca domiciliar, pois entendemos, assim como o Superior Tribunal Militar, que se trata de delito instantâneo, e não de crime permanente. Dessa forma, se a autoridade militar constatar que o ‘desertor’ se encontra em sua residência, deverá representar à autoridade judiciária, visando a obter mandado de busca domiciliar” (MIGUEL; COLDIBELLI, 2008, p.156). J. Salgado[3] transcreve na íntegra a opinião de Bandeira, citada acima, provavelmente se filiando a este entendimento; sendo que Ramagem Badaró (1972, p. 51, 52) também parece comungar com esta idéia. Além dos diversos doutrinadores citados, Doutor Porto, Mário[4], enriquecendo-nos a pesquisa, acrescenta o entendimento de alguns autores que consideram o delito de deserção como sendo um crime permanente (NEVES; STREIFINGER, 2007, p. 266; PÉRICLES, 1935, p. 171; REICHARDT, 1930, p. 135). Em boa análise, José Frederico Marques (1956, p. 281 apud JESUS, 1995, p. 171), diz que a distinção entre o crime permanente e o instantâneo de efeitos permanentes é toda infecunda e inútil. Enfim, as partes e os tribunais podem se valer de ampla e farta doutrina e precedentes em qualquer sentido a respeito do momento consumativo da deserção. 4. JURISPRUDÊNCIAS Trazendo à baila os dizeres de vários juristas, chegamos a conclusão que a questão não jaz pacificada. De igual modo, trouxemos jurisprudências divergentes, em número de três para cada tipo. A própria lei não explicita, nem mesmo orienta implicitamente neste sentido, aliás podemos ir mais além quando observamos a lacuna legislativa a respeito da definição de crime propriamente militar. E, neste in albis esbarramos na parte final do inciso LXI, artigo 5º, da Carta Republicana: “salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei”, grifamos. Também são nossos os grifos abaixo. 4.1. Deserção como Crime Instantâneo de Efeitos Permanentes “Acórdão Num: 1999.01.001640-0 – UF: RJ – Decisão: 26/10/1999 – Proc.: Correição Parcial. EMENTA: Prisão provisória de desertor. Relaxamento antecipado. Error in procedendo havido no 1º grau. Prazo legal para julgamento com réu preso que se verifica, in casu, como transcorrido. Inércia do Estado. Apontamento ministerial de ato tumultuário ocasionado com decisão a quo concessiva de liberdade, antes de concluso o prazo prisional de que trata o Art. 453 do CPPM, a elemento incurso no Art. 187 do CPM. A deserção, além de ser ilícito propriamente militar, se caracteriza, ademais, como crime instantâneo de efeito permanente, submetendo-se o declarado desertor, in continenti, à prisão em flagrante delito, restando legalmente fixado em sessenta (60) dias o lapso temporal em que deverá aguardar preso o respectivo julgamento. Inteligência cristalina dos artigos 243, 452 e 343 do CPPM, consoante o previsto in fine do inciso LXI do Artigo 5º da CF. a liberdade decretada antecipadamente pelo Juízo da 1ª Auditoria, da 1ª CJM, desconsiderou, inclusive, a súmula nº 10 do Superior Tribunal Militar. Assiste concreta razão ao inconformismo demonstrado, in casu, pelo Parquet Militar. Todavia, observa-se como já decorrido, por inércia do Estado, o período no qual caberia de se ver julgado o desertor enquanto no cumprimento de sua prisão provisória para tanto, motivo esse que se converte na própria impossibilidade do Estado julgá-lo, agora, na condição de aprisionado. Consequentemente revela-se a vertente quaestio com perda de objeto, indeferindo-se, por conta disso, a pretensão correicional in tela. Decisão por unanimidade. Ministro Relator: Carlos Eduardo Cezar de Andrade “Acórdão Num: 1998.01.000282-3 – UF: RJ – Decisão: 02/04/1998 – Proc.: Conflito de Competência. EMENTA: Conflito negativo de competência. 1. Crime de Deserção. Processos diversos. Conexão Probatória. Inexistência. Verifica-se a conexão probatória “quando a prova de uma infração ou qualquer de suas circunstâncias elementares influir na prova de outra infração”. Entretanto, tal não ocorre quando se trata de deserções consumadas, pelo mesmo agente, em épocas diferentes, uma vez que a deserção é um crime formal (que independe de resultado, consumando-se com a ausência injustificada do militar à sua unidade por prazo superior a oito dias), de mera conduta (a lei só descreve o comportamento do agente) e instantâneo de efeitos permanentes (a permanência dos efeitos do crime não dependem do agente). 2 – Deserção. Crime autônomo. Assim, desertando o militar, uma vez responde por este delito. Se, por acaso, depois de sua apresentação voluntária o de sua captura, livrar-se solto por força do artigo 453 do CPPM ou por ter sua prisão relaxada e, nesta condição, vier novamente a desertar, responderá a outro processo de deserção, com julgamentos distintos, sem que haja influência de um processo em relação ao outro, haja vista que, nesta hipótese, houve autonomia de desígnios. Conhecido do conflito negativo de competência. Decisão unânime. Ministro Relator: Sérgio Xavier Ferolla” “Acórdão Num: 1999.01.006612-3 – UF: SP – Decisão: 19/10/1999 – Proc.: Recurso Criminal. EMENTA: Militar processado por crime de furto qualificado. Réu solto. Superveniência do crime de deserção. Decretação de prisão preventiva. Desnecessidade. Prisão que poderá ser efetuada nos termos do artigo 243 do Código de Processo Penal Militar. 1. A Superveniência da consumação do crime de deserção por parte do réu que já responde a processo pela prática de outro delito, não é o bastante para ensejar a decretação de sua prisão preventiva. 2. Como é sabido, pela sistemática do Direito Positivo Brasileiro, a prisão preventiva é medida de exceção, só cabível em situações especiais. Sua decretação não é de caráter obrigatório. Depende do caso concreto, desde que fundadas em razões sérias e objetivas. Não é o caso dos autos. 3. Por força do artigo 243, do CPPM, o réu referido nos autos já está sujeito a prisão, por ser o crime de deserção considerado instantâneo e de efeitos permanentes. Assim, sendo, sua prisão independe de mandado. É como se em flagrante delito estivesse. Negado provimento ao recurso do MPM, para manter a decisão hostilizada. Decisão unânime. Ministro Relator: Sérgio Xavier Ferolla” 4.2. Deserção como Crime Permanente “HC 91873 / RS – Rio Grande do Sul – Habeas Corpus – Julgamento: 30/10/2007 Relator(a): Min. Ricardo Lewandowski – Órgão Julgador: Primeira Turma EMENTA: Penal Militar. Processual Penal Militar. Apelação. Prescrição. Arts. 125,129 132 e 187, todos do Código Penal Militar. Artigos 451 e seguintes do Código de Processo Penal Militar. Deserção. Crime Permanente. Ordem denegada. I – O crime de deserção é crime permanente. II – A permanência cessa com a apresentação voluntária ou a captura do agente. III – Capturado o agente após completos seus vinte e um anos, não há falar na aplicação da redução do art. 129 do Código Penal Militar. IV – Ordem denegada. Decisão: A Turma indeferiu o pedido de habeas corpus. Unânime. Não participou, justificadamente, deste julgamento o Ministro Menezes Direito. Falou pelo paciente o Dr. Antonio de Maia e Pádua, Defensor Público da União. 1ª. Turma, 30.10.2007.” “HC 90105 / AM – Amazonas – Habeas Corpus – Julgamento: 18/12/2006. EMENTA: Habeas Corpus. Processual Penal Militar. Crime de deserção. Inaplicabilidade da Lei nº 9.099/95 à espécie pela proibição da Lei nº 9.839/99, vigente no momento da captura do paciente. Procedentes. Ordem denegada. 1. Não há nulidade da ação penal em decorrência do não-oferecimento da proposta de suspenso condicional do processo, prevista na Lei n. 9.099/95, uma vez que, por ter o crime de deserção natureza permanente, aplica-se ao caso a norma em vigor ao tempo da captura do Paciente (9.3.2006), a dizer, a Lei n. 9.839/99, que inseriu o art. 90-A na Lei n. 9.099/95, que afasta expressamente a aplicação dos preceitos dos Juizados Especiais no âmbito da Justiça Militar. 2. Habeas Corpus denegado. Decisão: A Turma indeferiu o pedido de habeas corpus. Unânime. Ausente, justificadamente, o Ministro Marco Aurélio. 1ª. Turma, 18.12.2006. Relator (a): Min. Carmen Lúcia – Órgão Julgador: Primeira Turma” “HC 82075 / RS – Rio Grande do Sul – Habeas Corpus – Julgamento: 10/09/2002. EMENTA: Penal. Processual Penal. Habeas Corpus. Militar. Deserção. Extinção da punibilidade pela prescrição: inocorrência. I. – Delito militar de deserção: crime permanente. Precedente: HC 80.540-AM, Ministro S. Pertence, 1ª T, 28.11.2000, “DJ” de 02.02.2001. II. – A norma geral do art. 125 do CPM é aplicável ao militar desertor que se apresenta ou é capturado, contando-se daí o prazo prescricional. Precedente: HC 79.432-PR, Ministro N. Jobim, 2ª T, 14.11.99, “DJ” de 15.10.99. III. – Inocorrência da prescrição, no caso, porque não decorridos 4 (quatro) anos da data da captura do paciente. IV – H.C. Indeferido. Relator(a): Min. Carlos Velloso – Órgão Julgador: Segunda Turma.” 4. 3. Deserção como Crime Instantâneo “Acórdão Num: 1998.01.000285-8 – UF: RJ – Decisão: 15/09/1998 – Proc.: Conflito de Competência. EMENTA: Conflito de competência; Deserção, crime militar próprio, autônomo, de mera conduta e instantâneo; sujeição de tal delito a rito processual especial; impropriedade da conexão ou continência, em face de deserções sucessivas, ainda mais quando marcantemente distanciadas no tempo, diante desse particular perfil do delito de que se cogita; conflito conhecido e indeferido; decisão unânime. Ministro Relator: José Enaldo Rodrigues de Siqueira.” “Acórdão Num: 1995.01.047618-2 – UF: BA – Decisão: 19/12/1995 – Proc.: Apelação. EMENTA: Deserção. Crime formal e instantâneo, perfeitamente caracterizado. Tese Defensoria incapaz de ilidir a acusação. Apelo não provido. Decisão unânime. Ministro Relator: Edson Alves Mey. Ministro Revisor: Aldo da Silva Fagundes.” “Acórdão Num: 1989.01.045604-1 – UF: DF – Decisão: 06/06/1989 – Proc.: Apelação. EMENTA: Deserção. Preliminares de nulidades negadas. A deficiência da defesa patrocinada por curador, no caso examinado inexistiu, uma vez que a peça da Defensoria apresentada foi razoavelmente bem feita, diante da ausência de provas documentais ou testemunhas. A existência dos CJU de forma alguma atenta contra a Constituição da República, uma vez que o Decreto-lei nº 1.003/69 (Lei de Organização Judiciária Militar) não foi derrogado. No mérito, os argumentos, da defesa não foram capazes de ilidir a acusação de cometimento do crime de deserção, crime formal e instantâneo. Pena-base acima do mínimo legal e sem justificativa. Apelo provido parcialmente. Sentença reformada. Decisão unânime. Ministro Relator: Everaldo de Oliveira Reis. Ministro Revisor: Ruy de Lima Pessoa.” 5. CONCLUSÃO A deserção se encontra na classificação doutrinária dos crimes propriamente militares porque somente o ocupante de cargo militar poderá ser sujeito ativo deste crime, infração específica e funcional dos deveres do militar. E, crime militar por combinar a definição do inciso I, 2ª parte, do artigo 9º do Código Penal Militar com o contido no artigo 187 e seguintes, também do Código Penal Militar, além dos artigos referentes ao delito de deserção estabelecidos para o tempo de guerra, sendo observado o disposto no CPM, artigo 10, inciso II, vez que crime militar também previsto para o tempo de paz. Somente quando o legislador atentar para este descaso legal da definição do que é considerado crime propriamente militar em consonância com o disposto no inciso LXI, do artigo 5º, da Constituição da República, aí sim estaremos em harmonia para que o Termo de Deserção, ato administrativo lavrado por autoridade administrativa militar seja efetivamente documento hábil para a prisão do desertor, amparado pelo artigo 451, do CPPM[5], no caso deste não estar em flagrante (principalmente quanto ao entendimento que deserção não é crime permanente), enquanto isto… Vige a ilegalidade! Considerando que não existe definição legal para que a deserção seja considerada um crime propriamente militar, e, se considerarmos que este crime é instantâneo ou instantâneo de efeito permanente, então qualquer do povo não poderá prender o suposto desertor, porque este não estará em estado de flagrância[6], a não ser no primeiro momento da execução do delito, da constatação da ausência do militar. De maneira outra, considerando-se que é um crime permanente, então, qualquer pessoa poderá prendê-lo pelo flagrante. Neste caso, a casa em que se encontra o desertor, deixa de ser inviolável para que se efetue a prisão, independente de determinação judicial. O fato de se poder entrar ou não na casa, sem consentimento do morador e sem mandado judicial, a par do flagrante, esbarra na questão da classificação da deserção quanto ao momento consumativo. Questão teórica que ocorrendo na prática deixa dúvidas quanto aos direitos do desertor. Não nos filiaremos a nenhuma corrente sobre a classificação do delito de deserção quanto ao momento consumativo, haja vista, ao longo dos tempos, tantos doutrinadores de elite já terem se manifestado, entretanto, razoável solução seria, após averiguar o maior número de cada espécie de decisão dos tribunais ou o que for melhor em termos de política criminal, editar uma Súmula, quiçá Vinculante, com dizeres próximos a: “Para todos os efeitos o delito de deserção é considerado crime permanente.” Ou: “Para todos os efeitos o delito de deserção é considerado crime instantâneo.” Simples assim… Referências: ASSIS, Jorge César de. Comentários ao Código Penal Militar. Curitiba: Juruá Editora, 2004. BADARÓ, Ramagem. Comentários ao Código Penal Militar de 1969: parte especial, 2º v. São Paulo: Editora Juriscrédi, 1972. BANDEIRA, Esmeraldino O. T. Direito, Justiça e Processo Militar. 2ª ed. Rio de Janeiro: Editora Livraria Francisco Alves, 1919. COUTINHO, J. N. M. Crime Continuado e Unidade Processual. In: Sérgio Salomão Shecaira. (Org.). Estudos Criminais em Homenagem a Evandro Lins e Silva (criminalista do século). São Paulo: Método, 2001. GUSMÃO, Chrysolito de. Direito Penal Militar, com anexos referentes à legislação penal militar brasileira. Rio de Janeiro: Editor Jacintho Ribeiro dos Santos, 1915. JESUS, Damásio E. de, Direito Penal: parte geral, 1º vol. 19ª ed. São Paulo: Saraiva, 1995. LOBÃO, Célio, Direito Penal Militar, 3ª ed. Brasília: Editora Brasília Jurídica, 2006. MARTINS, J. Salgado. Código Penal Militar da República dos Estados Unidos do Brasil: atualisado de acôrdo com a legislação. Porto Alegre: Thurmann, 1942, p. 150. MIGUEL, Cláudio Amin e COLDIBELLI, Nelson, Elementos de Direito Processual Penal Militar, 3ª ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Iures, 2008. PORTO, Mario André da Silva. Direito Penal Militar. Rio de Janeiro: Fundação Trompowsky, 2008. ROCHA, Maria Elizabeth Guimarães Teixeira; PETERSEN, Zilah Maria Callado Fadul, Coordenadores. Bicentenário da Justiça Militar no Brasil, Coletânea de Estudos Jurídicos. Artigo: A Prescrição do Crime de Deserção. Brasília: Poder Judiciário, Superior Tribunal Militar, 2008. Notas: [1] O prazo prescricional obedece ao art. 132, CPPM, ausente o indiciado. [2] LOBÃO, Célio, Direito Penal Militar, 3ª ed. Brasília: Editora Brasília Jurídica, 2006, p. 298. [3] MARTINS, J. Salgado. Código Penal Militar da República dos Estados Unidos do Brasil: atualisado de acôrdo com a legislação. Porto Alegre: Thurmann, 1942, p. 150. [4] PORTO, Mario André da Silva. Direito Penal Militar. Rio de Janeiro: Fundação Trompowsky, 2008, p.214 e 215. [5] CPPM, artigo 451: Consumado o crime de deserção, nos casos previstos na lei penal militar, o comandante da unidade, ou autoridade correspondente, ou ainda autoridade superior, fará lavrar o respectivo termo imediatamente, que poderá ser impresso ou datilografado, sendo por ele mesmo assinado e por duas testemunhas idôneas, além do militar incumbido da lavratura. [6] CF, artigo 5º, inciso LXI: ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei. Informações Sobre o Autor Giovanni Duarte D’Andrea Secretário de Ofício da Procuradoria da Justiça Militar - Ministério Público Militar. Advogado. Pós-Graduado em Direito Administrativo. Pós-Graduando em Direito Militar

sexta-feira, 6 de setembro de 2024

Competência do Superior Tribunal Militar para Julgamento de Ações Relativas às Transgressões Disciplinares - Giovanni D'Andrea (Giov.. D'And.)

Competência do Superior Tribunal Militar para Julgamento de Ações Relativas às Transgressões Disciplinares Com base, inclusive, na PEC nº 358-A/2005, tentaremos aclarar sobre a situação do julgamento das ações relativas às transgressões militares pela Justiça Militar da União, conseqüentemente em segunda instância pelo Superior Tribunal Militar. Direito Penal 1. INTRODUÇÃO Notoriamente sendo, os atos administrativos, matéria de razoável divergência conceitual, trouxemos à baila alguns dos diversos conceitos destes, mas antes, podemos adiantar que em geral os atos da Administração são colocados como de três espécies: a) Os Atos da Administração em sentido estrito, que tem regime jurídico privado; b) Os Fatos Administrativos ou Atos de Administração e c) Os Atos Administrativos, que tem regime jurídico público, sendo que nos ateremos a estes. O insigne Hely Lopes Meirelles compara o conceito de ato administrativo com o de ato jurídico, diferenciando apenas pela finalidade pública: Ato administrativo é toda manifestação unilateral de vontade da Administração Pública que, agindo nessa qualidade, tenha por fim imediato adquirir, resguardar, transferir, modificar, extinguir e declarar direitos, ou impor obrigações ao administrados ou a si própria. (MEIRELLES: 2005, p.149). O douto Celso Antônio Bandeira de Mello assim conceitua: Declaração do Estado (ou de quem lhe faça as vezes – como, por exemplo, um concessionário de serviço público), no exercício de prerrogativas públicas, manifestada mediante providências jurídicas complementares da lei a título de lhe dar cumprimento, e sujeitas a controle de legitimidade por órgão jurisdicional. (MELLO: 1997, p. 231). O ilustre Diogo Figueiredo assim explica: Ato administrativo é, assim, a manifestação unilateral de vontade da administração pública, que tem por objeto constituir, declarar, confirmar, alterar ou desconstituir uma relação jurídica, entre ela e os administrados ou entre seus próprios entes, órgãos e agentes. (NETO: 2006, p. 136). José Maria concordando com a variação de conceito de ato administrativo pela doutrina, e, sendo este uma espécie do gênero ato da administração, brilhantemente coloca: (...) pode-se conceituar o ato administrativo nos exatos termos do art. 81 do Código Civil de 1916 (que trata dos atos jurídicos), como a manifestação de vontade da Administração Pública que, agindo na qualidade de Poder Público, objetiva adquirir, resguardar, transferir, modificar ou extinguir direitos, atendendo sempre ao princípio da legalidade, aplicando obrigações tanto a si própria quanto aos seus administrados. (MADEIRA: 2006, p. 163). Diógenes Gasparini, assim expõe: Ato administrativo é toda emanação unilateral de vontade, juízo ou conhecimento, predisposta à produção de efeitos jurídicos, expedida pelo Estado ou por quem lhe faça às vezes, no exercício de suas prerrogativas e como parte interessada numa relação, estabelecida na conformidade ou compatibilidade da lei, sob o fundamento de cumprir finalidades assinaladas no sistema normativo”. (GASPARINI: 2003, p. 67). Carvalho Filho considera ato administrativo como a “exteriorização da vontade da Administração Pública ou de seus delegatários que, sob regime de direito público, tenha por fim adquirir, resguardar, modificar, transferir, extinguir e declarar situações jurídicas, com o fim de atender ao interesse público.” [1] E, a ilustre Maria Sylvia, sobre o ato administrativo, pondera como sendo: “a declaração do Estado ou de quem o represente, que produz efeitos jurídicos imediatos, com observância da lei, sob regime jurídico de direito público e sujeira a controle pelo Poder Judiciário.” [2] Já o ato administrativo militar, sendo praticamente uma espécie do gênero ato administrativo, seus princípios estão estruturados da mesma maneira, ou seja, ato administrativo militar é todo aquele derivado de uma das Forças Armadas, criando, modificando, extinguindo relação jurídica referente ao servidor integrante dos quadros da Administração Militar, bem como em relação aos próprios órgãos integrantes da composição militar. Não difere do ato administrativo, em geral, unicamente por ter sido praticado por uma autoridade militar, no âmbito da Administração Militar. A definição de transgressão disciplinar encontramos no art. 8º do Decreto 76.322/75 [3], como sendo “toda ação ou omissão contrária ao dever militar, e como tal classificada nos termos do presente Regulamento. Distingue-se do crime militar que é ofensa mais grave a esse mesmo dever, segundo o preceituado na legislação penal militar”; bem como no art. 6º, do Decreto nº 88.545/83 [4], in verbis: “Contravenção Disciplinar é toda ação ou omissão contrária às obrigações ou aos deveres militares estatuídos nas leis, nos regulamentos, nas normas e nas disposições em vigor que fundamentam a Organização Militar, desde que não incidindo no que é capitulado pelo Código Penal Militar como crime.” Já o Decreto nº 4.346/2002 [5], em seu artigo 14, define como: “toda ação praticada pelo militar contrária aos preceitos estatuídos no ordenamento jurídico pátrio ofensiva à ética, aos deveres e às obrigações militares, mesmo na sua manifestação elementar e simples, ou, ainda, que afete a honra pessoal, o pundonor militar e o decoro da classe.”; com importante observação em seu § 1°: “Quando a conduta praticada estiver tipificada em lei como crime ou contravenção penal, não se caracterizará transgressão disciplinar.” Para termos breve noção sobre os Regulamentos Disciplinares e às penas aplicadas como sanções disciplinares (quando podemos mentalmente comparar com as penas aplicadas no Direito Penal) trazemos à baila a lucidez de Antônio P. Duarte, em seu livro de “Direito Administrativo Militar”: Os Regulamentos Disciplinares ordenam e classificam as transgressões ou contravenções disciplinares, dispondo sobre as penas disciplinares e os recursos cabíveis contra as punições impostas. Cada Força Singular tem o seu respectivo regulamento, onde se delineiam as diferentes sanções disciplinares e modos de aplicação. O Estatuto dos Militares, no entanto, impõe como limite às sanções disciplinares de impedimento, detenção ou prisão, o prazo máximo de 30 dias. As transgressões ou contravenções militares, naturalmente, são condutas de menor gravidade e que, portanto, são punidas com menos rigor e com sanções mais brandas. Todavia, em certas condutas transgressionais, o militar poderá ser detido ou preso por prazo não superior a 30 dias ou até a vir ser licenciado e excluído a bem da disciplina. (DUARTE: 2000, p.51, 52). 2. CONTROLE JUDICIAL DO ATO ADMINISTRATIVO Não cabe ao Poder Judiciário o juízo de valoração sobre a oportunidade e conveniência do ato administrativo, porque a este cabe unicamente analisar a legalidade do ato, sendo-lhe vedado substituir o Administrador Público, já que a possibilidade de análise de mérito desses atos cabe a própria Administração Pública, ressaltando, assim, o princípio da separação dos poderes, sendo vedado, óbvio, quaisquer excessos. O Poder Judiciário pode controlar, fiscalizar o mérito administrativo de um ato produzido pela Administração Pública apenas para verificação de alguma ilegalidade. Se houver algum vício de legalidade o Judiciário anula o ato, mas se não há ilegalidade, se é puro mérito, ele não pode fazer nada, pois ele não pode substituir o juízo de mérito, ou seja, a vontade do agente, baseado no princípio da separação dos poderes. O seu controle está apenas vinculado à ilegalidade; legalidade aqui é adequação à lei e aos princípios. O Poder Judiciário pode revogar um ato administrativo, desde que o ato administrativo tenha sido produzido por ele mesmo, quando o Poder Judiciário exerce a função atípica de administração. É um controle interno. O que não pode é o Poder Judiciário revogar ato administrativo editado pelo Executivo ou pelo Legislativo. Esse controle externo ele não pode fazer. O Poder Judiciário pode anular um ato administrativo através do controle externo, que é a fiscalização de outro poder, ou seja, o Poder Judiciário pode anular um ato do Poder Executivo ou Legislativo, pois conforme a Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso XXXV: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direitos”. Doutrina moderna defende a idéia de se ampliar o alcance do controle judicial, sustentam poder aplicar o princípio da razoabilidade, admitindo análise sobre o mérito administrativo, para aferir a valoração subjetiva do administrador na emissão do ato administrativo, aplicando, outrossim, o princípio da moralidade dos atos. Embora não haja possibilidade de um controle direto sobre o mérito, contudo, existe a possibilidade de um controle sobre os limites a que esse mérito está sujeito, que, pelos padrões do homem comum, atentar manifestamente contra a moralidade. Porém, atualmente, é pacífico na doutrina a impossibilidade de análise do mérito através do controle judicial no que diz respeito ao ato administrativo discricionário. Já para o caso de ato administrativo vinculado o controle judicial fica restrito a aspectos de legalidade, por este não possuir mérito administrativo, restringindo-se a aspectos legais. 3. O ATO ADMINISTRATIVO PUNITIVO NAS FORÇAS ARMADAS A Portaria nº. 041, de 18 de fevereiro de 2002, do Comandante do Exército Brasileiro, que estabelece “Instruções Gerais para a Correspondência, as Publicações e os Atos Administrativos no Âmbito do Exército”, define os atos administrativos no âmbito do Exército Brasileiro, porém, como os atos administrativos punitivos não são aqui mencionados, recorremos ao ensinamento de Antônio Pereira Duarte, em seu “Direito Administrativo Militar”: Os atos administrativos punitivos, como o próprio nome o diz, têm por finalidade aplicar sanções aos servidores e administrados que atuem de forma irregular em relação à Administração. Tais atos objetivam punir as condutas infringentes dos bens e serviços públicos. Sobressaem-se, dentre estes, a multa e o afastamento do cargo (DUARTE: 2000, p.18). Trazemos à baila dispositivos referentes à classificação das punições disciplinares contidas no Decreto nº 4.346, de 26 de agosto de 2002, que “aprova o Regulamento Disciplinar do Exército (R-4) e dá outras providências.” “Art. 24. Segundo a classificação resultante do julgamento da transgressão, as punições disciplinares a que estão sujeitos os militares são, em ordem de gravidade crescente: I - a advertência; II - o impedimento disciplinar; III - a repreensão; IV - a detenção disciplinar; V - a prisão disciplinar; e VI - o licenciamento e a exclusão a bem da disciplina. Art. 25. Advertência é a forma mais branda de punir, consistindo em admoestação feita verbalmente ao transgressor, em caráter reservado ou ostensivo. Art. 26. Impedimento disciplinar é a obrigação de o transgressor não se afastar da OM, sem prejuízo de qualquer serviço que lhe competir dentro da unidade em que serve. Art. 27. Repreensão é a censura enérgica ao transgressor, feita por escrito e publicada em boletim interno. Art. 28. Detenção disciplinar é o cerceamento da liberdade do punido disciplinarmente, o qual deve permanecer no alojamento da subunidade a que pertencer ou em local que lhe for determinado pela autoridade que aplicar a punição disciplinar. Art. 29. Prisão disciplinar consiste na obrigação de o punido disciplinarmente permanecer em local próprio e designado para tal. Art. 32. Licenciamento e exclusão a bem da disciplina consistem no afastamento, ex officio, do militar das fileiras do Exército, conforme prescrito no Estatuto dos Militares.” 4. CONCLUSÃO Inobstante a lei não excluir da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito, possibilitando ao administrado o devido processo legal, sendo facultado o contraditório e a ampla defesa, é necessário avaliar a competência de nossos órgãos jurisdicionais, quando o assunto é o controle judicial dos atos administrativos militares, em especial o julgamento de ações relativas às transgressões disciplinares. Para não confundirmos o crime militar com o ato administrativo militar disciplinar, trazemos à baila José da Silva Loureiro Neto, apud Júlio Cezar Dal Paz Consul, “Prescrição Administrativa Disciplinar Militar”, asseverando elucidativamente "in verbis": O crime militar contém no preceito sancionador uma pena determinada pelo legislador, ao passo que a infração disciplinar contém uma sanção sujeita a uma faculdade discricionária da autoridade militar. Justifica-se, pois, o princípio do nullum crimen, sine lege; perfeitamente aplicável ao direito penal como dogma, inexistente quando se trata de aplicação de sanções disciplinares, pois podem existir outras faltas não tipificadas (NETO: 1993, p.25). Cada jurisdição tem sua substância própria: a penal, o delito, enquanto que a disciplinar, a falta. Ora, como um mesmo fato pode constituir-se simultaneamente uma falta e um delito, é natural que cada uma delas seja apreciada por suas respectivas jurisdições. Assim como o Comandante pune o subordinado pela falta disciplinar prevista no Regulamento Disciplinar, o Conselho de Justiça pune o réu pela prática de crime previsto no Código Penal Militar. Portanto, infere-se que o órgão ministerial não deixará de propor a ação penal tendo em vista que o indiciado foi punido pelo fato disciplinarmente; e nem o Comandante deixará de punir o indiciado disciplinarmente na expectativa de uma manifestação do órgão ministerial, seja na proposição da ação penal, seja no pedido de arquivamento do inquérito policial militar. Ambas as jurisdições, como se disse, atuam em áreas distintas e estanques. Não há, portanto, a ocorrência do bis in idem (NETO: 1993, p.27). São transgressões disciplinares, que ensejam a busca do Poder Judiciário, todas as ações ou omissões contrárias à disciplina militar ou atos que afetem a honra pessoal, o pundonor militar, o decoro da classe ou o sentimento do dever e outras prescrições contidas no estatuto próprio dos militares, leis e regulamentos, bem como aquelas praticadas contra regras e ordens de serviço emanadas de autoridade militar competente. Tendo aumentado o contingente de integrantes das Forças Armadas nos últimos anos, bem como a conscientização, não só dos administrados em geral, mas aqui focado os militares, em especial, na busca de seus direitos, ou de seus supostos direitos materiais, a par do direito à busca do Judiciário, isto interfere, outrossim, na quantidade de processos que a justiça comum da esfera federal e a justiça especializada militar terá que apreciar. Por isto, vem-se aventando a possibilidade de ampliação da competência da Justiça Militar da União, para que se consiga dar vazão a este novo contingente, bem como desafogar a Justiça Federal comum. Este afogamento da Justiça Federal, também se dá porque os militares, em geral, a esta recorrem antes do esgotamento da via administrativa, já que a Justiça Militar da União somente julga a parte penal. Igualmente vêm ocorrendo inúmeros pedidos de habeas corpus, impetrados perante as Varas Federais com relação às punições disciplinares, havendo caso de juiz federal conceder pedido que vá de encontro aos regulamentos das Forças Armadas, por desconhecer os melindres da situação; inobstante na Carta da República, em seu artigo 142, parágrafo 2º, rezar que: “Não caberá habeas-corpus em relação a punições disciplinares militares.”; deixando de notar o impeditivo constitucional quanto a matéria, a impossibilidade jurídica do pedido. Não entraremos nesta seara, mesmo porque, em sede doutrinária, o habeas corpus tem sido aceito quando se trata de punição disciplinar, muito embora a jurisprudência, neste sentido, tenha se desenvolvido muito lentamente. O resultado dessa busca frente à Justiça Federal, em sua generalidade, resulta em decisões que, muitas das vezes ofendem a hierarquia e a disciplina, criando diversos tipos de problemas para as Forças Armadas, já que ferem seu eixo central, pois as leis peculiares da vida na caserna com seus regulamentos disciplinares não são de pleno conhecimento dos magistrados que integram a Justiça Federal, pois não sendo matéria requisito para o ingresso na carreira, somente terá conhecimento o magistrado federal que resolver se especializar em tais dispositivos. Aclarando-nos, o insigne Doutor João Rodrigues Arruda, em “O Uso Político das Forças Armadas”, assim pauta: A partir de 2003, por iniciativa individual ou através dessas associações (para a defesa dos interesses da categoria) [6], as praças passaram a bater às portas do Judiciário com mais freqüência para reivindicar, principalmente, proteção contra as punições disciplinares. Não são poucas as liminares e mesmo sentenças de mérito concedidas nesses casos. As decisões da Justiça, em grande parte contrárias aos pontos de vista dos chefes militares, são encaradas por eles como fator de desestabilização da hierarquia e da disciplina. Ou seja, um suposto abalo na principal base de sustentação das organizações militares. (ARRUDA: 2007, p. 19). Trazer estes feitos para a Justiça Militar da União, diminuiria numa quantidade apreciável os feitos atribuídos à Justiça Federal que poderiam ser processados e julgados por uma Justiça Especializada, isto se justifica por si só vez que a solução razoável às lides resultantes da vida militar exigem tanto o conhecimento específico da legislação que pauta as Forças Armadas, bem como a experiência de vida havida nas Organizações Militares. Pois, o Direito Administrativo Militar, que estuda os atos administrativos praticados pelos componentes dos quadros das Forças Armadas ou Forças Auxiliares (Bombeiros e Policiais Militares) que, em tese, violam o disposto nos Regulamentos Disciplinares, que possui alguns regramentos diversos do Direito Administrativo, que envolve os servidores públicos civis, é uma ciência jurídica autônoma, requerendo magistrados especializados para oferecerem um julgamento técnico que permita ao militar se sentir verdadeiramente num Estado Democrático de Direito. Já quando se trata da Justiça Militar na esfera estadual, a competência desta foi ampliada recentemente com a reforma do Judiciário, facilitando soluções às Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares e aos próprios jurisdicionados, reduzindo significativamente o número de feitos a serem julgados pelos juízes e tribunais estaduais, também aqui, sendo levada em conta a especialização de tal contenda. Tramita no Congresso Nacional a Reforma do Judiciário com o Projeto de Emenda Constitucional nº. 358A/05, que trata, outrossim, do controle jurisdicional das transgressões disciplinares, in verbis: “Art. 124. À Justiça Militar da União compete processar e julgar os crimes militares definidos em lei, bem como exercer o controle jurisdicional sobre as punições disciplinares aplicadas aos membros das Forças Armadas.” Sendo mais abrangente, indo além do controle jurisdicional das punições disciplinares, o Superior Tribunal Militar começou a trabalhar no sentido de ampliar a competência da Justiça Militar da União para abranger todas as matérias especificadas no artigo 142, § 3°, inciso X, da Constituição [7], ou seja, incluindo no controle: as movimentações por necessidade de serviço, o licenciamento do serviço ativo, os engajamentos e reengajamentos concedidos ou negados, os pagamentos de benefícios, admissão aos cursos militares, promoções etc. Mesmo porque, a Justiça Militar Estadual já teve sua competência ampliada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004, que alterou alguns parágrafos do artigo 125, da Carta Maior e a Justiça Militar da União já tem como jurisdicionados os integrantes dos quadros das Forças Armadas, agilizando assim a composição dos litígios, vez que desafoga a Justiça Federal. E, quando se compara com as outras justiças especializadas, v.g. a Justiça Trabalhista, não tem porque se desmembrar parte dos feitos que são da competência desta com a Justiça Federal, que por desconhecer tanto a vida na caserna como as leis disciplinadoras desta, não se revela capaz de julgar em tempo razoável as contendas militares, interferindo na hierarquia e na disciplina cotidiana das Unidades Militares. Se aprovada a Proposta de Emenda Constitucional nº 358A/05 conseguiríamos, de pronto, uma melhor distribuição da justiça; desafogar a Justiça Federal e fortalecer a hierarquia e disciplina, necessárias ao bom andamento do serviço militar; já que a Justiça Militar da União reúne as condições estruturais e técnicas para arcar com as responsabilidades advindas da aprovação desta Emenda Constitucional. Porém, como tudo no mundo, principalmente no mundo jurídico, há de se ver sempre o entendimento contrário, os prós e os contras; e, por ser o Superior Tribunal Militar composto de cinco juízes civis e dez militares, que apenas, em geral, conhecem bem a vida na caserna, não sendo bacharéis em Direito desconhecem as peculiaridades e minúcias que esta ciência exige de seus estudiosos. Claramente a Constituição Federal de 1988 nos traz a composição do Superior Tribunal Militar [8], como poderia, então, um ministro do Superior Tribunal Militar, leigo na ciência jurídica, julgar casos referentes ao ato administrativo militar de modo específico se tem vaga ou nenhuma noção de ato administrativo como um todo? Talvez também por isto, há estudiosos vinculados à Organização das Nações Unidas com entendimento no sentido de considerarem que a composição da Justiça Militar da União deveria ter como requisito mínimo a condição de bacharel em Direito, por parte de seus integrantes, além do fato dos ministros serem integrantes das Forças Armadas, na ativa, ou não. 5. REFERÊNCIAS ARRUDA, João Rodrigues. O Uso Político das Forças Armadas e Outras Questões Militares. 1ª ed. Rio de Janeiro: Mauad X, 2007. ASSIS, Jorge César de. Os Regulamentos Disciplinares e o Respeito aos Direitos Fundamentais. Disponível em: Acesso em: 13 nov. 2008. BRASIL. Constituição 1988. Organizado pela Câmara dos Deputados. 25ª ed. Brasília: Coordenação de Publicações, 2007. BRASIL. Direito Administrativo. Organizado por Luiz Oliveira Castro Jungstedt. 9ª ed. Rio de Janeiro: Thex, 2000. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 17ª ed. São Paulo: Editora Atlas, 2004. FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de Direito Administrativo. 6ª ed. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris, 2000. GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 8ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003. MADEIRA, José Maria Pinheiro. Administração Pública Centralizada e Descentralizada (Tomo I). 4ª ed. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2006. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 30ª ed. São Paulo: Malheiros, 2005. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 9ª ed. São Paulo: Malheiros, 1997. NETO, Diogo de Figueiredo Moreira. Curso de Direito Administrativo. 14ª ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2006. ROSA, Paulo T. Rodrigues. Atuação do Advogado nos Processos Administrativos Militares. Disponível em Acesso em: 13 nov. 2008. SILVA, De Plácido e, Vocabulário Jurídico, 4ª ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1994. NOTAS [1] FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de Direito Administrativo. 6ª ed. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris, 2000. p. 73. [2] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 17ª ed. São Paulo: Editora Atlas, 2004. p. 189. [3] Regulamento Disciplinar da Aeronáutica. [4] Regulamento Disciplinar da Marinha. [5] Regulamento Disciplinar do Exército. [6] Entre parênteses colocado pelo autor do artigo. [7] CF/88, art. 142, § 3º, inciso X: A lei disporá sobre o ingresso nas Forças Armadas, os limites de idade, a estabilidade e outras condições de transferência do militar para a inatividade, os direitos, os deveres, a remuneração, as prerrogativas, e outras situações especiais dos militares, consideradas as peculiaridades de suas atividades, inclusive aquelas cumpridas por força de compromissos internacionais e de guerra. [8] CF/88, art. 123: O Superior Tribunal Militar compor-se-á de quinze Ministros vitalícios, nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a indicação pelo Senado Federal, sendo três dentre oficiais-generais da Marinha, quatro dentre oficiais-generais do Exército, três dentre oficiais-generais da Aeronáutica, todos da ativa e do posto mais elevado da carreira, e cinco dentre civis. Parágrafo único. Os Ministros civis serão escolhidos pelo Presidente da República dentre brasileiros maiores de trinta e cinco anos, sendo: I – três dentre advogados de notório saber jurídico e conduta ilibada, com mais de dez anos de efetiva atividade profissional; II – dois, por escolha paritária dentre juízes auditores e membros do Ministério Público da Justiça Militar. Sobre o autor Giovanni D'Andrea Secretário de Ofício da Procuradoria da Justiça Militar - Ministério Público Militar. Advogado. Pós-Graduado em Direito Administrativo. Pós-Graduado em Direito Militar.

O Administrado e a Administração Pública no Processo Administrativo - Giovanni D'Andrea (Giov. D'And.)

O Administrado e a Administração Pública no Processo Administrativo Analisar-se-á a postura do administrado no processo administrativo, bem como a postura da própria Administração Pública frente aos limites do poder-dever de autotutela. Direito Administrativo 1. INTRODUÇÃO No Brasil, inobstante a implantação da Disciplina de Direito Administrativo ter ocorrido em 1851, até bem pouco tempo não se falava em processo administrativo, surgindo, muito tempo após, em 29 de janeiro de 1999, a Lei 9.784, Lei do Processo Administrativo no âmbito federal, como marco no estudo da processualidade administrativa brasileira. Sua gênese tem embasamento no artigo 5º, inciso LIV, CF/88, que trata do devido processo legal, bem como no inciso LV, que trata dos princípios do contraditório e da ampla defesa. A Carta da República em seu artigo 1º, inciso II e, também, no parágrafo único lança os fundamentos da participação popular no processo administrativo, na Administração Pública: “A República Federativa do Brasil, [...] constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...] II – A cidadania; [...] Parágrafo único. Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente [...]”. Além do povo exercer o poder por meio de seus representantes, a legislação e a doutrina vieram contemplar a participação popular nos atos proferidos pela Administração. O cidadão pode e deve participar ativamente do processo administrativo, seja como parte, como terceiro interessado, ou mesmo como integrante de grupos sociais organizados e com poder de representatividade, sendo que nesta participação o administrado deve, ainda, respeitar os limites impostos pela legislação, tanto constitucional quanto infraconstitucional. Devido ao caráter, na maior parte das vezes, público do processo administrativo, há situações em que o próprio administrado irá participar, nele realizando atos, e, outras vezes em que este irá participar como ouvinte, como consultado (audiências públicas) ou até mesmo "fiscal", visando verificar a legalidade e moralidade entre outros princípios que norteiam o processo administrativo. Por outro lado, os administrados, em geral, não conhecem bem o direito de intervenção nos processos administrativos, que podem até conter elementos de caráter privado, mas que carregam em seu bojo a prevalência e supremacia do interesse público. Existem vários procedimentos administrativos nos quais a Administração Pública figura em uma extremidade e o administrado, como parte, na outra. Nestes casos o administrado irá exercer o direito subjetivo na defesa de interesses exclusivamente privados, havendo o interesse público de um lado de ser resistido pelo interesse privado do outro. Exemplos destes procedimentos são os processos de desapropriação, imposições de multas e processos disciplinares contra servidores públicos. Outrossim, existem procedimentos administrativos nos quais o cidadão, inobstante não ser parte individualmente interessada, pode diligenciar como verdadeiro fiscal da lei e defensor dos princípios que regem o processo administrativo. Tal participação se dará através de denúncia pública ou mesmo outro tipo específico de recurso administrativo, onde o terceiro interessado denunciará os vícios do processo, devendo a Administração Pública retificar, caso seja possível, ou mesmo declarar nulo o procedimento. Outro exemplo de participação do administrado como terceiro interessado é o acesso às contas públicas. O administrado como integrante de grupos sociais nacionais com poderes de representação, é outra forma de representatividade do administrado, quais sejam, sindicatos, associações, conselhos profissionais, ONG’s, partidos políticos entre outros. Podem participar através de consulta pública, antes da tomada de decisão em matéria de interesse geral ou mesmo de interesse do grupo ao qual representam, integrando colegiados públicos para tomada de decisões de interesse geral ou do grupo que representam, ou mesmo apresentando requerimentos, denúncias, ofícios, etc. O particular, ainda, conta com os instrumentos de intervenção na Administração Pública, gerando, por consequência, o processo administrativo, podendo lançar mão de vários instrumentos processuais ou expedientes administrativos, alguns tutelados no próprio texto constitucional e outros na legislação infraconstitucional, tais como: o pedido de informação, inciso XXXIII, do art. 5º da CF/88; petição aos poderes públicos, inciso XXXIV, alínea a) do art. 5º da CF/88; obtenção de certidões, art. 5º, inciso XXXIV, alínea b) da CF/88; exame e apreciação de contas municipais, parágrafo 3º do art. 31, da CF/88; pedido de intervenção no município, art. 35, II, CF/88; reclamação administrativa; § 3º do art. 37 da CF/88; denúncia de ilegalidade ou irregularidade perante o tribunal de contas, art. 74, §2º da CF/88; representação contra atos de improbidade administrativa, Lei 8429/92, art. 14; intervenção em processo licitatório, Lei 8.666/93 arts.4º, 7º e 41 e pedido de audiência pública, CONAMA, Resolução 09/87, art. 2º e Lei 8666/93, art. 39, entre outras previsões de audiência pública. A participação do administrado no processo administrativo ainda é algo novo, o processo administrativo tornou-se um instrumento importante para dar sustentação aos atos praticados por seus representantes, evitando com isso a prática de abusos. A legislação positiva tem se esforçado no intuito de incluir o cidadão no contexto das decisões político-administrativas, como forma de inclusão social e política. Os legisladores se esforçam em produzir leis que contemplam a participação do cidadão, contudo, a cultura popular não avança com a mesma velocidade, haja vista que o “monstro” do índice de analfabetismo começa aos poucos a ser “assassinado”, o sutil conhecimento das leis está concentrado nas mãos de uma ínfima parcela mais culta desse “nosso” Brasil. Nos dizeres de de Mello, Celso A. Bandeira, o processo administrativo é “uma sucessão itinerária e encadeada de atos administrativos tendendo todos a um resultado final e conclusivo”; onde incluímos o ato administrativo militar, que sendo uma espécie do gênero ato administrativo, seus princípios estão estruturados da mesma maneira, ou seja, ato administrativo militar é todo aquele derivado de uma das Forças Armadas, criando, modificando, extinguindo relação jurídica referente ao servidor integrante dos quadros da Administração militar, bem como em relação aos próprios órgãos integrantes da composição militar, não diferindo do ato administrativo em geral. 2. A MOTIVAÇÃO DOS ATOS ADMINISTRATIVOS A Lei nº. 9.784/99 alçou a motivação à categoria de princípio, e por este deve o administrador justificar fundamentadamente seus atos praticados. A doutrina majoritária entende que tanto o ato vinculado quanto o discricionário deve ser motivado, pois isto além de ser uma garantia de legalidade, dizendo respeito tanto ao interessado como a própria Administração, permitindo a verificação da legalidade do ato; é uma questão de democracia, assim o povo poderá exigir do Poder Público a motivação dos atos que interfiram na vida social, sendo também que este dever de motivar esbarra numa questão de cidadania, um dos fundamentos da República, conforme artigo 1º, inciso II, da Constituição Federal. O princípio da motivação rege a Administração dos Poderes do Estado, melhor dizendo, das funções do uno Poder do Estado, aparecendo na Magna Carta explicitamente, como na atividade administrativa do Judiciário; ou implicitamente, quando decorre dos princípios basilares da Administração Pública, arrolados no art. 37, caput: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Dado a importância do princípio da motivação, este vem alcançando previsão em constituições estaduais, v.g., na Constituição do Estado de São Paulo. Já no âmbito federal, a Lei nº. 9.784/99, que “regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal”, traz no artigo 50 os atos administrativos que deverão ser motivados com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos. A motivação deve ser explícita, clara e congruente, podendo ser utilizado meio mecânico que reproduza os fundamentos das decisões na solução de vários assuntos da mesma natureza. De acordo com a Carta da República, artigo 93, inciso X, que assim dispõe: “As decisões administrativas dos tribunais serão motivadas e em sessão pública, sendo as disciplinares tomadas pelo voto da maioria absoluta de seus membros”; alguns administrativistas entendem que se fosse a vontade do legislador constituinte que todos os atos administrativos devessem ser motivados, teria previsto, porém restringiu este dever às decisões administrativas dos tribunais. Por este, e pelo art. 50, acima mencionado, alguns doutrinadores entendem que a motivação só é obrigatória para a Administração nas hipóteses em que a lei exigir expressamente. E, fundamentam sua posição no fato de que a lei expressamente expõe os atos administrativos que devam ser motivados, a contrario sensu, os outros atos, não inclusos na normatização, não precisam ser motivados. Aproveitando a discussão, o referido artigo ao exigir a motivação, não distingue os atos discricionários dos vinculados, fazendo-se valer para ambos!? Predomina o entendimento de que a motivação é dispensável nos atos discricionários, porém, se houver motivação do ato discricionário, o agente ficará vinculado a essa exposição de motivos. E, se ficar provado que não há correlação entre a situação fática, jurídica e a motivação, o ato administrativo poderá ser invalidado, sendo caso de anulação ou nulidade. Doutor Bandeira de Mello, em relação ao assunto, ministra: “Como se vê, aí não estão incluídos atos ampliativos de direito em que a Administração promove situações favoráveis aos administrados. Cumpre não esquecer que são também muito temíveis os favoritismos em prol de apaniguados ou correligionários políticos. A restrição do dever de motivar às hipóteses arroladas no art. 50 parece-nos inconstitucional”. Em suma, o tema é de grande divergência na doutrina, há entendimento no sentido de que nenhum ato precisa ser motivado se não houver expressa previsão legal, a não ser os decisórios, também o há no sentido de que todos os atos deverão ser motivados baseados no princípio da moralidade, e, por fim, a mais tradicional, que ensina que somente os atos vinculados devem ser motivados, sendo que mesmo sem necessitar de motivação, os discricionários, se forem motivados ficarão vinculados aos motivos alegados para todos os fins de direito, em razão da necessidade de observância da ... 3. TEORIA DOS MOTIVOS DETERMINANTES Esta teoria, advinda do direito francês, guarda razão que o motivo do ato deve ser compatível com a circunstância de fato geradora da manifestação da vontade, devendo haver correspondência exata entre os motivos e a realidade. Para o caso de haver motivação num ato discricionário, esta vincula o agente ao que foi expresso, e se o interessado provar o contrário, o ato estará viciado no motivo. Os motivos que determinaram a vontade do agente, isto é, os fatos que serviram de suporte à sua decisão, integram a validade do ato. Sendo assim, a invocação de motivos de fato falso, inexistentes ou incorretamente qualificados vicia o ato mesmo quando, conforme já se disse, a lei não haja estabelecido, antecipadamente, os motivos que ensejariam a prática do ato. Uma vez enunciados pelo agente, os motivos em que se calçou, ainda quando a lei não haja expressamente imposto a obrigação de enunciá-los, o ato só será válido se estes realmente ocorreram e o justificavam. MELLO A Administração Pública, sempre visando o interesse público, em regra, anula os atos administrativos que possuem vício de legalidade, todavia quando o vício é reconhecidamente de menor gravidade, pode-se fazer o saneamento básico, ou seja, refazer o ato, sanando este vício, é a convalidação ou sanatória, embora a Administração não seja obrigada a convalidar o ato. Não é um dever, é um poder da Administração, onde esta julga a conveniência e oportunidade da sanatória. Há, outrossim, os vícios insanáveis, de maior gravidade, situação em que o ato é nulo, não admitindo a convalidação. Segundo Celso A. Bandeira de Mello é pacífico dizer que: Discricionariedade é liberdade dentro da lei, nos limites da norma legal, e pode ser definida como a margem de liberdade conferida pela lei ao administrador a fim de que este cumpra o dever de integrar com sua vontade ou juízo a norma jurídica diante do caso concreto, segundo critérios subjetivos próprios, a fim de dar satisfação aos objetivos consagrados no sistema legal. Não se confundem discricionariedade e arbitrariedade. Ao agir arbitrariamente, o agente estará agredindo a ordem jurídica, pois terá se comportado fora do que lhe permite a lei. Seu ato, em conseqüência, é ilícito e por isso mesmo corrigível judicialmente [...]. Em rigor, não há, realmente, ato algum que possa ser designado, com propriedade, como ato discricionário, pois nunca o administrador desfruta de liberdade total. O que há é exercício de juízo discricionário quanto à ocorrência ou não de certas situações que justificam ou não certos comportamentos e opções discricionárias quanto ao comportamento mais indicado para dar cumprimento ao interesse público in concreto, dentro dos limites em que a lei faculta a emissão deste juízo ou desta opção. Concluímos que os limites jurídicos da discricionariedade administrativa advêm inevitavelmente do Estado Democrático de Direito, já que nessa espécie de ordem normativa não há poderes absolutos ou incontroláveis, oferecendo, então, limites, onde a Administração não escapa do mundo da Constituição. Segundo a Lei 4.717/65, os vícios que geram a possibilidade de anulação são os vícios relativos ao sujeito, quando este não for competente para o ato, por usurpação de poder, ver CP, art. 328, excesso de poder e função de fato. Os relativos ao objeto dão-se quando este viola lei, regulamento ou outro ato normativo. Relativos à forma, que consiste na omissão ou na observância incompleta ou irregular de formalidades indispensáveis à existência do ato. Relativos ao motivo, onde a inexistência desses se verifica quando a matéria de fato ou de direito, em que se fundamenta o ato, é materialmente inexistente ou juridicamente inadequada ao resultado obtido. E, relativos à finalidade, podendo se dar o desvio quando o agente pratica o ato visando a fim diverso daquele previsto, colocando o interesse particular acima do interesse público, sendo comprovado por motivação insuficiente ou motivação contraditória, irracionalidade do procedimento etc. A respeito da teoria da anulabilidade, há entendimento no sentido de que somente pode existir ato nulo, sendo inadmissível cogitar-se de ato administrativo anulável, pelo simples fato de que o ato administrativo envolve sempre interesse público, o que enseja a sua nulidade. Em contraposição, entende-se que um ato administrativo de qualquer espécie pode ser anulado. Pois, é comum na Administração a chamada sanatória do ato administrativo, vista acima. Quando é praticado um ato sanatório, está se admitindo que o ato administrativo seja anulável, visto que se não houvesse a possibilidade do ato ser anulado, não haveria sanatória, o ato seria nulo. Quando se trata do controle jurisdicional dos atos administrativos, a motivação dos atos administrativos, além de conferir transparência, ressaltando as características do Estado Democrático de Direito, estimula, antes, um autocontrole pela própria administração sem prejuízo deste controle judicial; sendo que este além de analisar o aspecto da legalidade do ato, deverá, também, analisar sua conformação com os princípios relativos à Administração Pública, principalmente o da razoabilidade, proporcionalidade e moralidade. 4. PODER-DEVER DE AUTOTUTELA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA “O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé”; eis, in verbis, a cabeça do art. 54, da Lei 9784/99, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública federal. “mal comparando”, no controle judicial, a uma ação rescisória. Do art. 53, da referida lei, temos que: “A Administração deve anular seus próprios atos, quando eivados de vício de legalidade [...]”. Estudando Maria S. Z. di Pietro, sobre o poder de autotutela da Administração Pública, lemos que este fatalmente decorre do princípio da legalidade, já que a Administração Pública está sujeita à lei, cabendo-lhe o controle da legalidade. Ainda, por Maria Sylvia, que o poder da Administração está consagrado em duas súmulas do Supremo Tribunal Federal, quais sejam: STF - Súmula nº. 346: A administração pública pode declarar a nulidade dos seus próprios atos. STF - Súmula nº. 473: A administração pode anular os seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornem ilegais, porque deles não se originam direitos, ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial. Garantia de ordem constitucional, o art. 5º, LV, CF/88 diz que: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. Portanto, a autotutela sofre limite na necessidade de verificação do devido processo legal, ampla defesa e contraditório, não podendo sua aplicação restringir direito de terceiro. Isso significa uma severa restrição ao poder de autotutela de seus atos, de que desfruta a Administração Pública. Não se aniquila essa prerrogativa; apenas se condiciona a validade da desconstituição de ato anteriormente praticado à justificação cabal da legitimidade dessa mudança de entendimento, arcando à Administração Pública com o ônus da prova. A ausência ou inconsistência da motivação acarreta a nulidade do ato de tutela. (DALLARI) Na esfera administrativa, não pode haver privação de liberdade ou restrição patrimonial, sem o cumprimento do seguinte pressuposto: a consagração legal do processo administrativo em sentido constitucional. A acolhida do devido processo legal administrativo assegura o contraposto para o cidadão frente ao poder da Administração de autotutela do interesse público. (BACELLAR FILHO) A Segurança Jurídica, é entendida como princípio jurídico subdividido, numa parte de natureza objetiva, que envolve a questão dos limites à retroatividade dos atos do Estado; visando a proteger o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada, positivado no art. 5º, inciso XXXVI., CF/88. De natureza subjetiva, a outra, concernente ao princípio da proteção à confiança das pessoas no que diz respeito aos atos e condutas estatais. Além da Segurança Jurídica, pode-se falar em outros limites da autotutela, e, que se verificam em razão de sua adequação ao meio jurídico no qual está inserida e que estabelece outros princípios a serem observados e que se aplicam à Administração Pública, dentre eles a razoabilidade, proporcionalidade, boa-fé. Deverão os princípios serem observados sempre que a Administração Pública venha a agir e especialmente quando atinja terceiros. Somente com a Lei 9.784, que a União referiu-se à segurança jurídica, como princípio geral da Administração Pública, justificando a permanência no mundo jurídico de atos administrativos inválidos, em determinadas circunstâncias. Então, inobstante a Administração Pública tenha o poder-dever de autotutela, ele não pode ser exercido ignorando-se o ordenamento jurídico como um todo, onde encontra limites que visam justamente garantir os direitos de terceiros, que não podem ser colocados de lado, especialmente porque estamos inseridos num democrático Estado de Direito; senão perderíamos uma de suas características essenciais: a Segurança Jurídica. CONCLUSÃO Para analisarmos a importância do processo e do ato administrativo no cotidiano do cidadão brasileiro face ao Direito Positivo, enfocamos o eixo central do Direito Administrativo que hoje esbarra no conceito de ato administrativo, embora esta direção do eixo esteja sendo esgotada pelo constante uso deste modelo. Tem-se, portanto, discutido novo eixo, tal como o de “processo administrativo”, ou o de “relação jurídica administrativa”. Na busca de um novo eixo, não podemos deixar de ter em conta a diversidade das definições, indicando o desencontro doutrinário no conceito de Direito Administrativo, variando o entendimento consoante o critério trazido pelos autores que buscam definir seu objeto. Seja através da escola do Serviço Público, da noção de Poder Executivo, do entendimento teleológico, negativo ou residual, da Administração Pública, da distinção entre atividade jurídica e social do Estado, além da escola que visa as relações jurídicas. Atualmente a valorização do direito do particular sem deixar de lado o poder de polícia que limita o direito individual, sem ferir as garantias individuais constitucionais, numa valorização completa da relação jurídica, considerada esta como “vínculo jurídico, que une uma pessoa, como titular de um direito, ao objeto deste mesmo direito”, segundo De Plácido e Silva; tende-se a transportar o eixo central do Direito Administrativo para a relação jurídica administrativa, com todas suas peculiaridades, já que esta envolve o processo administrativo e seu encadeamento de atos administrativos; refletindo numa maior participação do administrado no “administrativo nosso de cada dia”. Sobre o autor Giovanni D'Andrea Secretário de Ofício da Procuradoria da Justiça Militar - Ministério Público Militar. Advogado. Pós-Graduado em Direito Administrativo. Pós-Graduado em Direito Militar.

A Ciência Jurídica e as Artes Plásticas - Giovanni D'Andrea (Giov. D'And.)

A Ciência Jurídica e as Artes Plásticas Trata da dificuldade de fazer prevalecer a função social da lei em proteger juridicamente os criadores e suas criações visuais, inobstante as iniciativas legislativas brasileiras de suporte ao artista plástico. Direito Civil 1. INTRODUÇÃO Numa breve observação percebemos que a proteção jurídica aos direitos autorais ganhou força mundial com a “Convenção de Berna [1] para a Protecção das Obras Literárias e Artísticas de 09 de Setembro de 1886, completada em Paris a 04 de Maio de 1896, revista em Berlim a 13 de Novembro de 1908, completada em Berna a 20 de Março de 1914 e revista em Roma a 02 de Junho de 1928, em Bruxelas a 26 de Junho de 1948, em Estocolmo a 14 de Julho de 1967 e em Paris a 24 de Julho de 1971”. [2] No Brasil a Convenção de Berna foi promulgada pelo Decreto nº 75.699, de 06 de maio de 1975. Neste mesmo ano, em 24 de dezembro, o Decreto nº 76.905 promulgou a Convenção Universal sobre o Direito de Autor (CUDA) estabelecendo em seu artigo primeiro que os Estados, inclusive o Brasil, comprometem-se a tomar todas as disposições necessárias para assegurar a proteção suficiente e eficaz dos direitos dos autores e de quaisquer outros titulares dos mesmos direitos sobre as obras artísticas, tais como as pinturas, gravuras e esculturas, além das produções literárias e científicas . Em 30 de dezembro de 1994, através do Decreto nº 1.355 é promulgada a ata final que incorpora os resultados da rodada Uruguai de negociações comerciais, multilaterais do GATT, estabelecendo acordo sobre aspectos dos direitos de propriedade intelectual relacionados ao comércio – Acordo TRIPs, que em seu artigo 9º estabelece que seus membros cumprirão o disposto nos artigos 1º a 21 e no apêndice da Convenção de Berna. A partir daí a Lei n° 9.610, promulgada em 19 de fevereiro de 1998, que derrogou a Lei 5.988/73, altera, atualiza e consolida a legislação sobre direitos autorais. Pelo simples fato desta lei regular os direitos de autores literários, científicos e artísticos, serão enfocados os dispositivos que guardam relação direta com o artista plástico [3] e suas criações visuais, objeto do presente. O artigo 7º, da referida Lei, define como “obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro”, tais como, no caso das artes plásticas: as obras fotográficas e as análogas; as obras de desenho, pintura, gravura, escultura, litografia e arte cinética [4]; as ilustrações, cartas geográficas e as de mesma natureza; e, os projetos, esboços e obras plásticas concernentes à geografia, engenharia, topografia, arquitetura, paisagismo, cenografia e ciência. 2. DO REGISTRO DAS OBRAS De acordo com o artigo 18: “a proteção aos direitos de que trata esta Lei independe de registro”, ou seja a exigência de registro é opcional, mas o registro traz a facilidade de comprovação da autoria, o que permite ao artista exercer seu direito autoral com mais facilidade caso seja necessário, inclusive pleiteá-lo em juízo. O direito nasce com a criação do artista, diversamente do que acontece, por exemplo, com as patentes que exigem a declaração estatal. Podem ser registrados como obra de arte o desenho de jóias, personagens, logomarcas etc, a fotografia, a pintura, a litografia, a gravura e a escultura. Como se depreende da lei, também é passível de registro a arte aplicada cujo valor artístico pode dissociar-se do caráter industrial do objeto a que estiverem sobrepostas. Interessante notar que a cópia da obra de arte feita pelo próprio autor goza da mesma proteção de que goza a obra original. É facultado ao autor registrar a sua obra no órgão público definido no artigo 17 da Lei nº. 5.988, que conforme este, para segurança de seus direitos, o autor da obra intelectual poderá registrá-la na Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro [5]. Para o caso de registro o autor deverá entrar no site da Escola de Belas Artes [6], clicar em direitos autorais, fazer o download do formulário, preencher e encaminhar pelos Correios ou levar pessoalmente anexando duas fotos da obra, assinada pelo autor, pagar a taxa de R$ 80,00 (oitenta reais) [7] no Banco do Brasil. No caso de cessão da obra, é necessário que no conjunto de documentos, o respectivo contrato, devidamente assinado com duas testemunhas, seja registrado em cartório. 3. DIREITOS MORAIS E DIREITOS PATRIMONIAIS O direito de autor protegendo o autor e sua obra, considerando o tempo da proteção, tem por objetivo garantir a este uma participação financeira e uma moral em troca da utilização da obra que criou. Num rápido olhar, podemos observar que os direitos autorais sobre a obra que criou se subdividem em duas espécies: Direitos Morais e Direitos Patrimoniais. Esta bipartição caracteriza a Teoria Dualista, adotada pela legislação brasileira, no que difere da Teoria Monista que funde ambos os conceitos, considerando-os único, enfocando a denominação mais abrangente: Direitos Autorais. São direitos morais do autor: o de reivindicar a autoria da obra; o de ter seu nome, pseudônimo ou seu sinal indicativo como sendo o do autor; o de conservar a obra inédita; o de assegurar a integridade da obra, opondo-se a quaisquer atos que possam prejudicá-la ou atingi-lo, como autor, em sua reputação ou honra; o de modificar a obra; o de retirar de circulação a obra ou de suspender qualquer forma de utilização já autorizada, quando a circulação ou utilização implicarem afronta à sua reputação e imagem; e, o de ter acesso a exemplar único e raro da obra, quando se encontre legitimamente em poder de outrem, para o fim de que por meio de processo fotográfico, assemelhado ou audiovisual seja preservada sua memória. Importante esclarecer que os direitos morais do autor são inalienáveis e irrenunciáveis, evitando assim possíveis desequilíbrios contratuais que venham a ferir o autor ou sua obra. Esta ligação entre o artista e sua arte, criador e criação, é uma relação de ordem emocional íntima, que permite ao artista acompanhar o destino de sua obra, e que se prejudicada deverá ser pleiteada em juízo através da difícil valoração estabelecida pelos direitos morais. Quanto aos direitos patrimoniais do autor, a Constituição Federal reza em seu artigo 5º, XXVII que: “aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar” [8]; já no artigo 28 da lei em pauta temos que “cabe ao autor o direito exclusivo de utilizar, fruir e dispor da obra literária, artística ou científica.” A lei deixou para o artigo 41 a fixação do tempo, sendo que estes, os direitos patrimoniais do autor, perduram por setenta anos contados de 1° de janeiro do ano subsequente ao de seu falecimento, obedecida a ordem sucessória da lei civil [9]. Após este período, hoje definido em setenta anos a obra cairá em domínio público, não havendo mais necessidade de autorização para sua utilização, mas sempre deverá respeitar os direitos morais do autor. A duração da proteção concedida pela Convenção de Berna estende-se até cinquenta anos após a sua morte, inobstante deixar claro que a duração será regulada pela lei do país em que a proteção for reclamada [10]. Com exceção dos rendimentos advindos da exploração, os direitos patrimoniais não se comunicam, salvo pacto antenupcial em contrário. 4. DROIT DE SUITE Droit de suite ou direito de sequência ou direito de participação ou, ainda, direito de revenda, trata-se de um direito de recebimento do artista em relação à venda de suas obras no mercado de arte. Direito de participar da mais valia (plus-valia) que advier ao vendedor em cada nova alienação, recebendo o autor da obra um percentual, fixo ou variável, de acordo com o país, estabelecido na legislação pertinente [11]. De origem francesa, é um direito difícil de ser respeitado pela ingrata fiscalização das revendas trazendo inviabilidade na cobrança, por outro lado, se devidamente respeitado este percentual que cabe ao autor da obra será, com certeza, transferido ao comprador final através de preços mais altos, dificultando as vendas e indiretamente prejudicando o autor. O fundamento da criação do droit de suite é trazer equilíbrio financeiro, portanto, justiça econômica nas transações efetuadas, principalmente quando a obra é valorizada no mercado de arte, geralmente porque o nome do artista chegou ao conhecimento do grande público, sendo que normalmente as obras iniciais foram vendidas por preços módicos e os intermediários, inobstante estarem trabalhando, ou os atuais proprietários se enriquecem em cima da valorização do nome do artista, que na história da humanidade é sabido que muitos morreram na extema miséria. Então este direito de participação favorece não somente aos autores, mas também seus herdeiros e instituições que porventura detenham a obra objeto da transferência de propriedade. Notoriamente é um avanço na proteção daquele que mais trabalhou: o artista. No Brasil o direito de sequência pode ser encontrado no artigo 38, que in verbis esclarece: “O autor tem o direito, irrenunciável e inalienável, de perceber, no mínimo, cinco por cento sobre o aumento do preço eventualmente verificável em cada revenda de obra de arte ou manuscrito, sendo originais, que houver alienado”; Já no parágrafo único lemos: “Caso o autor não perceba o seu direito de seqüência no ato da revenda, o vendedor é considerado depositário da quantia a ele devida, salvo se a operação for realizada por leiloeiro, quando será este o depositário.” Em alguns países da Europa e da América Latina, os direitos de exploração das criações visuais são exercidos por sociedades de gestão coletiva, afastando a intromissão do governo na cobrança do direito, fazendo dela um acerto particular, facilitando o controle por parte dos autores, a fim de que seus direitos sejam aplicados. 5. TÓPICOS OUTROS É necessário a autorização prévia e expressa do autor, que se presume onerosa, para a utilização da obra, por quaisquer modalidades, tais como: a reprodução parcial ou integral; a utilização, direta ou indireta, da obra artística mediante exposição de obras de artes plásticas e figurativas. Porém, quando as obras estiverem permanentemente em locais públicos poderão ser representadas livremente por meio de pinturas, desenhos, fotografias e procedimentos audiovisuais. O criador da obra, portador do direito autoral, no exercício do direito de reprodução, poderá colocar a obra à disposição do público na forma, local e pelo tempo que desejar, onerosa ou gratuitamente. O autor de obras fotográficas tem o direito de reproduzi-las e vendê-las, observadas as restrições quanto à exposição, reprodução e venda de retratos, sendo que também deverá respeitar os direitos de autor de obra plástica protegida que for fotografada. A aquisição do original ou de exemplar de uma obra não confere ao adquirente qualquer dos direitos patrimoniais do autor, salvo convenção entre as partes e dispositivo legal em contrário. O autor de obra de arte plástica, ao alienar o objeto em que ela se materializa, transmite, salvo acordo em contrário, o direito de expô-la; em contrapartida pode o autor retirar de circulação a obra ou suspender qualquer forma de utilização já autorizada, como uma faculdade que protege um interesse de índole moral do autor, pois, a hipótese legal está condicionada à ocorrência de afronta à reputação e imagem. Muito importante quando o adquirente se trata de um museu ou galeria cujo interesse na aquisição reside exatamente na exposição ao público ou revenda das obras. Porém a lei faculta ao autor a possibilidade de excluir este direito, se no ato de alienação houver expressamente disposição contrária. Em suma: o adquirente tem o direito de expor a obra e o autor o de suspender a autorização de exposição da obra, salvo cláusula contratual contrária. A lei brasileira apenas reservou ao autor o direito de preservar sua memória, causando o menor inconveniente possível a seu detentor. Sob a ótica de um autor de obra de artes plásticas, na prática, essa faculdade se encontra muitas vezes prejudicada em seu exercício pela inexistência de mecanismos que permitam ao autor a localização de suas obras. Não tratou da questão da destruição pelo autor, nem pelo proprietário do objeto em que a obra se materializa, quando a obra já não lhe interessa. De maneira diferente, algumas legislações preveem esta possibilidade por parte do adquirente de destruir a obra, respeitando e conciliando os direitos do autor, sendo que a este será oferecida a obra pelo preço do suporte e nesta impossibilidade, o autor terá o direito de reproduzi-la antes da destruição. O titular, cuja obra seja fraudulentamente reproduzida ou divulgada, poderá requerer a apreensão dos exemplares reproduzidos ou a suspensão da divulgação, sem prejuízo da indenização cabível, sendo que quem editar a obra, sem autorização do titular, perderá para este os exemplares que se apreenderem e pagar-lhe-á o preço dos que tiver vendido. As sanções civis aplicam-se sem prejuízo das penas cabíveis; sendo que a sentença condenatória poderá determinar a destruição de todos os exemplares ilícitos e dos elementos utilizados para praticar o ilícito civil, assim como, poderá determinar a perda de equipamentos e insumos destinados a tal fim ou a destruição se servirem eles unicamente para o fim ilícito. 5. CONCLUSÃO Inobstante a proteção aos direitos autorais, de acordo com a legislação pátria positiva, se fazer valer independentemente do registro, é notório que o registro facilita o ônus probatório no caso de uma necessidade perante juízo. Porém, o fato do valor ser considerável alto para o registro de uma única obra (valor considerado para o artista de pouca ou média atuação no mercado), sem falar na burocracia, sendo que um artista produz em média uma razoável quantidade de obras, somado ao custo do material e de gastos outros que o artista precisa dispor, e, dada a dificuldade de se acompanhar, perante os revendedores o direito de sequência; é consideravelmente difícil que o Estado Brasileiro, observada a realidade do mercado de arte para a grande maioria dos artistas, esteja cumprindo esta função social frente aos artistas plásticos. Se no Brasil, inobstante os esforços legislativos, ainda é difícil tão somente o registro da obra de arte, quanto mais o será a percepção do droit de suite. REFERÊNCIAS BRASIL. Constituição 1988. Organizado pela Câmara dos Deputados. 25ª ed. Brasília: Coordenação de Publicações, 2007. BRASIL. Decreto nº 1.355, de 30 de dezembro de 1994. Promulga a Ata Final que incorpora os resultados Rodada Uruguai de Negociações Comerciais, Multilaterais do GATT. (Acordo sobre aspectos dos direitos de propriedade intelectual relacionados ao comércio – TRIPs). BRASIL. Decreto nº 75.669, de 06 de maio de 1975. Promulga a Convenção de Berna para a Proteção das Obras Literárias e Artísticas, de 9 de setembro de 1886, Revista em Paris, a 24 de julho de 1971. BRASIL. Decreto nº 76.905, de 24 de dezembro de 1975. Promulga a Convenção Universal sobre o Direito de Autor, Revisão em Paris, 1971. BRASIL. Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998. Altera, atualiza e consolida a legislação sobre direitos autorais e dá outras providências. BRASIL. Novo Código Civil e Legislação Correlata. Organizado pelo Senado Federal. 1ª ed. Brasília: Subsecretaria de Edições Técnicas, 2003. DE-MATTIA, Fabio Maria. Droit de Suite ou Direito de Seqüência das Obras Intelectuais. Disponível em Acesso em: 13 fev.2009. EGEA, Maria Luiza de Freitas Valle. Direitos do Artista Plástico. Disponível em Acesso em 13 fev. 2009. JUNIOR, Osvaldo Alves Silva. Direitos Autorais: Uma Visão Geral Sobre a Matéria. Disponível em http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=1621 Acesso em 16 fev. 2009. ROCHA, Maria Victoria. O Direito de Seqüência (Droit de Suíte) em Portugal. Disponível em Acesso em: 13 fev. 2009. SOUZA, Carlos Fernando Mathias de, Direito Autoral: Legislação Básica. 1ª ed. Brasília: Brasília Jurídica, 1998. NOTAS [1] Atualmente a Convenção de Berna conta com mais de uma centena e meia de países signatários constituídos em União. [2] Vide:http://www.cultura.gov.br/site/wp-content/uploads/2007/10/decreto-75699.pdf [3] O autor do artigo tem interesse direto em artes plásticas e sua devida proteção jurídica. Vide: www.artmajeur.com/giovdand (Giov. D'And.). [4] Ou cinetismo, arte que explora efeitos visuais por meio de movimentos físicos ou ilusão de ótica. [5] Escola de Belas Artes - Avenida Ipê, 550 - 7º andar - Cidade Universitária - Ilha do Fundão - Rio de Janeiro - RJ - CEP 21941-590 - Tel.: 2598-1649 (número conferido em 13.02.09). [6] Vide: http://www.eba.ufrj.br/ [7] Valor válido a partir de 17.07.08, atualizado pela Portaria nº. 40.08. Repare que este valor é baixo apenas para o artista plástico consagrado pela mídia, porém para a grande maioria de artistas, iniciantes ou não, é relativamente caro, que já conta com outros custos: tais como o material de pintura, embalagem, translado da obra, serviço de galerista etc. Sem falar que este valor é o de cada obra, sem contar a incalculável quantia de obras que um artista produz em sua carreira artística. [8] A Constituição Federal também prevê em seu artigo 5º que: “V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem”; “IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”; e que “X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”. [9] Lei nº. 10.406, Novo Código Civil - Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na seguinte ordem: I – aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no de separação obrigatória de bens; ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particular; II – aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente; III ao cônjuge sobrevivente; IV – aos colaterais. [10] Vide Convenção de Berna: artigo 7º, 1) e 8). [11] O droit de suite pode ser encontrado na Convenção de Berna em seu artigo 14-TER, que assim estabelece: “1) No que respeita a obra de arte originais e manuscritos originais dos escritores e compositores, o autor – ou, após a sua morte, as pessoas ou instituições que a legislação nacional considera legítimas - goza de um direito inalienável de beneficiar das operações de venda de que a obra é objecto após a primeira cessão praticada pelo autor. 2) A protecção prevista na alínea supra só é exigível em cada país da União se a legislação nacional do autor admitir essa protecção e na medida em que o permita a legislação do país em que essa protecção é reclamada. 3) As modalidades e as taxas de percepção são determinadas por cada legislação nacional.” Sobre o autor Giovanni D'Andrea Secretário de Ofício da Procuradoria da Justiça Militar - Ministério Público Militar. Advogado. Pós-Graduado em Direito Administrativo. Pós-Graduado em Direito Militar.

Amplitude do Direito ao Silêncio - Giovanni D'Andrea (Giov. D'And.)

Amplitude do Direito ao Silêncio Jargão de brincadeira infantil, a frase “você tem o direito de permanecer calado, qualquer coisa que você disser poderá ser usada contra você”, enfatizando o silêncio, ganhou força no direito pátrio positivo, haja vista ser direito fundamental individual, hoje em sede constitucional. Direito Civil 1. INTRODUÇÃO. Jargão de brincadeira infantil e muito comum nos filmes policiais do cinema hollywoodiano, a célebre frase “você tem o direito de permanecer calado, qualquer coisa que você disser poderá ser usada contra você”, “saiu” (frise-se: saiu, entre aspas) das telas e ganhou força no direito pátrio positivo, que com certeza num estudo relâmpago, quiçá em outra oportunidade, sobre direito comparado nos irá mostrar a tendência mundial no sentido de prevalecer o direito ao silêncio, sem sequências negativas; haja vista ser direito fundamental individual, hoje em sede constitucional. 2. DIREITO AO SILÊNCIO. Do teor do artigo 186, do Código de Processo Penal, que antes da alteração trazida com a Lei nº 10.792, de 01 de dezembro de 2003, rezava, in verbis: “Antes de iniciar o interrogatório, o juiz observará ao réu que, embora não esteja obrigado a responder às perguntas que lhe forem formuladas, o seu silêncio poderá ser interpretado em prejuízo da própria defesa”; cuja parte final não foi recepcionada pela Carta da República, no ano de 1988. Ex vi o disposto no inciso LXIII, do artigo 5º: “o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado”, conclui-se que é vedado ao interrogando atribuir um juízo de culpabilidade a partir do silêncio, não traduzindo este fato como auto-incriminativo. Muito embora haja julgado no sentido da Subsistência da parte final do artigo – TJSP: 'O réu teve assegurado seu direito ao silêncio, e se não o exerceu, foi porque não quis. Consequentemente, não havia qualquer irregularidade com o interrogatório, capaz de justificar sua anulação. Ademais a alegação de que a parte final do art. 186 do CPP, que determina que o réu será advertido das consequências de permanecer silente no interrogatório do réu se constitui em meio de prova, e, como tal, deve ser devidamente sopesado, pelo juiz. Assim como as respostas do réu, seu silêncio será igualmente objeto desta avaliação'. (RT 724/608). TJSP: 'Processo-crime. Nulidade. Inocorrência. Interrogatório. Paciente advertido de que seu silêncio poderá ser interpretado em prejuízo de sua própria defesa. Artigo 186 do Código de Processo Penal não revogado pelo art. 5º, inciso XLIII, da Constituição da República. Ordem denegada' (JTJ 192/307) (MIRABETE: 2000) Com a nova redação do artigo 186, agora desta feita: “Depois de devidamente qualificado e cientificado do inteiro teor da acusação, o acusado será informado pelo juiz, antes de iniciar o interrogatório, do seu direito de permanecer calado e de não responder perguntas que lhe forem formuladas. - Parágrafo único. O silêncio, que não importará em confissão, não poderá ser interpretado em prejuízo da defesa”. A jurisprudência que já caminhava a largos passos no sentido de que o silêncio não fosse interpretado em prejuízo da defesa do interrogado, agora foi normatizada com a redação do artigo 186, do CPP, em 2003. Constituindo a audiência de interrogatório ato solene, formal, de instrução, sob a presidência do juiz, a não informação ao preso dos seus direitos, incluindo o de permanecer silente, não sendo mera irregularidade formal, gera nulidade do ato, fazendo valer o princípio da Carta Magna: nemo tenetur se detegere. A Lei nº 10.792/03 num leve descuido se esqueceu de revogar o art. 198 do Código de Processo Penal, que diz que: “O silêncio do acusado não importará confissão, mas poderá constituir elemento para a formação do convencimento do juiz”. Logo, se o silêncio não poderá ser interpretado em prejuízo da defesa, é claro que não poderá constituir elemento para a formação do convencimento do juiz. Este dispositivo é incompatível com o parágrafo único do art. 186, que além de ferir o princípio da não-autoincriminação do inciso LVIII, artigo 5º, CF/88, está claro que houve uma revogação tácita pela incompatibilidade desta nova lei que alterou o Código de Processo Penal, que regula este aspecto do direito ao silêncio, disciplinando diversamente a matéria. De idêntica análise, observamos que também foi revogada a parte final do artigo 305, do Decreto-Lei nº 1002, de 21 de outubro de 1969, que instituiu o Código de Processo Penal Militar, ora transcrito, in verbis: Observações ao acusado: Art. 305. Antes de iniciar o interrogatório, o juiz observará ao acusado que, embora não esteja obrigado a responder às perguntas que lhe forem formuladas, o seu silêncio poderá ser interpretado em prejuízo da própria defesa. Do princípio da não auto-incriminação além de se extrair o direito de permanecer calado, hoje devidamente normatizado no sentido de que o silêncio não poderá ser interpretado em prejuízo da defesa, extrai-se, outrossim, a permissão tanto de comportamentos passivos do acusado, como a recusa de fornecimento de material gráfico ou vocal para análise pericial, como também deve incluir o direito de impedir que o Estado possa colher prova que dependa da submissão do interrogando, como coleta de sangue para realização de perícia, ou mesmo o polêmico teste do bafômetro. Essa prerrogativa é manifestação pessoal negativa, assegurando ao sujeito passivo não praticar nenhum ato de prova que lhe decorra prejuízo. [...] doutrina constitucional e processual penal brasileira demonstra claramente os percalços os quais surgiriam em função de eventual constrangimento imposto ao condutor para que produzisse prova contra si mesmo. Idêntica conclusão poderíamos extrair de eventual ilícito administrativo criado para punir a recusa a tal colaboração do condutor. Ora, se o direito à não-auto-incriminação adquiriu um status constitucional, é evidente que nenhuma outra regra, muito menos de cunho administrativo, pode servir de instrumento de persuasão para que o indivíduo viole as suas próprias convicções e, especialmente, os seus direitos fundamentais. Se assim ocorre no campo administrativo, igualmente sucederá no Direito Penal, porquanto inadmissível a configuração de crime de desobediência em razão de o condutor negar a sua colaboração para a realização dos testes de embriaguez. Uma incursão na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, quanto à aplicação do direito à não-auto-incriminação, revela de igual forma a aversão aos meios de prova os quais violem tal garantia [...] (JESUS: 2004). Já na inteligência da Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997, que instituiu o Código de Trânsito Brasileiro, que considera a aplicação de penalidades e medidas administrativas ao condutor que se recusa a submissão de qualquer procedimento, como os “testes de alcoolemia, exames clínicos, perícia ou outro exame que, por meios técnicos ou científicos, em aparelhos homologados pelo CONTRAN, permitam certificar seu estado”, posicionamo-nos, como não podia deixar de ser, ao lado do Doutor Jesus, Damásio, quando assevera que “o direito à não-auto-incriminação adquiriu um status constitucional, é evidente que nenhuma outra regra, muito menos de cunho administrativo, pode servir de instrumento de persuasão para que o indivíduo viole as suas próprias convicções e, especialmente, os seus direitos fundamentais”. Do contrário isto seria genericamente um “dever de falar”, um dever de produzir prova contra si mesmo, ferindo garantias maiores: fundamentais constitucionais. Para melhor entendimento, trouxemos à baila o artigo 277, §§ 2º e 3º, do CTB: Art. 277. Todo condutor de veículo automotor, envolvido em acidente de trânsito ou que for alvo de fiscalização de trânsito, sob suspeita de dirigir sob a influência de álcool será submetido a testes de alcoolemia, exames clínicos, perícia ou outro exame que, por meios técnicos ou científicos, em aparelhos homologados pelo CONTRAN, permitam certificar seu estado. (Redação dada pela Lei nº 11.275, de 2006) § 2o A infração prevista no art. 165 deste Código1 poderá ser caracterizada pelo agente de trânsito mediante a obtenção de outras provas em direito admitidas, acerca dos notórios sinais de embriaguez, excitação ou torpor apresentados pelo condutor. (Redação dada pela Lei nº 11.705, de 2008) § 3o Serão aplicadas as penalidades e medidas administrativas estabelecidas no art. 165 deste Código ao condutor que se recusar a se submeter a qualquer dos procedimentos previstos no caput deste artigo. (Incluído pela Lei nº 11.705, de 2008) 3. CONCLUSÃO. Em boa análise Doutor Tourinho, Fernando, a respeito da revogação do artigo 198, aduz que: Se o réu tem o direito ao silêncio, como garantia constitucional, parece-nos evidente que, se porventura dele fizer uso, não pode o Juiz louvar-se nessa circunstância para a formação do seu convencimento. Poderá até fazê-lo, intimamente, sendo-lhe contudo vedado transportar para os autos esse fato, porquanto implicaria a neutralização daquele direito constitucional. Humano ser que é, o magistrado, inobstante, ainda que seja profissional de notório saber jurídico reconhecido, no caso do réu ou indiciado, aconchegado no princípio da não-autoincriminação, não produzir prova contra si mesmo, negando-se, v.g. a fornecer material para exame de DNA ou simplesmente em silêncio permanecer; a mente humana, mormente a dos operadores jurídicos habituados a celeremente pensar, ainda que num átimo de segundo sequer, vislumbra a possibilidade de que, através do DNA ele, o interrogado, se revelaria com culpa; ainda assim ele não poderia sentenciar a partir desta livre convicção íntima, vez que em última análise tudo deve ser muito bem fundamentado; portanto, cabe aqui o profissionalismo, inclusive dispensando reservas mentais tendenciosas. O silêncio do acusado não pode constituir a base da convicção, esta deve se arrimar em outras provas colhidas, com amparo legal, e acostadas aos autos do processo; alfim o que não existe nos autos não há de existir no mundo... jurídico. 4. REFERÊNCIAS: BRASIL. Constituição 1988. Organizado pela Câmara dos Deputados. 25ª ed. Brasília: Coordenação de Publicações, 2007. JESUS, Damásio E. de. Limites à prova da embriaguez ao volante: a questão da obrigatoriedade do teste do bafômetro. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 344, 16 jun. 2004. Disponível em: . Acesso em: 09 jul. 2010. LIMA, Marcellus Polastri. Curso de Processo Penal, volume I, 3ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris Editora, 2006. MIRABETE, Julio Fabbrini. Código de Processo Penal - Interpretado, 7ª ed. São Paulo: Editora Atlas S.A., 2000. NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado, 9ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. TOURINHO, Fernando da Costa Filho. Código de Processo Penal Comentado, 13ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2009. NOTAS 1Art. 165. Dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência: (Redação dada pela Lei nº 11.705, de 2008) Infração - gravíssima; (Redação dada pela Lei nº 11.705, de 2008) Penalidade - multa (cinco vezes) e suspensão do direito de dirigir por 12 (doze) meses; (Redação dada pela Lei nº 11.705, de 2008) Medida Administrativa - retenção do veículo até a apresentação de condutor habilitado e recolhimento do documento de habilitação. (Redação dada pela Lei nº 11.705, de 2008) Parágrafo único. A embriaguez também poderá ser apurada na forma do art. 277. Sobre o autor Giovanni D'Andrea Secretário de Ofício da Procuradoria da Justiça Militar - Ministério Público Militar. Advogado. Pós-Graduado em Direito Administrativo. Pós-Graduado em Direito Militar.