Robert Schumann foi considerado na Alemanha, país de seu nascimento, o mestre incomparável do “Lied”. Quando garotinho, apaixonara-se pelo piano, compondo mesmo pequenas fantasias.
A fim de satisfazer às rogativas maternas, matriculara-se, aos 18 anos, no curso de Direito da Universidade de Leipzig. Isto, porém, não o impedira de dedicar-se mais à música que à filosofia do Direito. Impotente para resistir à atração que a música exercia em seu espírito resolveu confessar à sua genitora o propósito de não ser jurisconsulto, mas sim, unicamente, músico.
Schumann sonhava escrever músicas religiosas, embora não fosse religioso no sentido habitual do termo. Um de seus biógrafos, Vasieleviski, que certa ocasião encontrou Schumann com a atenção voltada para as páginas de um livro que tinha nas mãos, perguntou-lhe o que lia. Sua resposta foi apenas esta:
- Não sabes nada das mesas girantes?
E acrescentou esse biógrafo:
Seus olhos, habitualmente semicerrados, abriram-se, e, com um ar inspirado disse:
- As mesas girantes sabem tudo.
Nessa ocasião chamou sua segunda filha e iniciou uma série de experiências com uma pequena mesa, a qual, a seu pedido, marcou o movimento inicial e o final da sinfonia em Dó menor de Beethoven.
Constantemente tinha ele alucinações auditivas, tanto que se queixava à sua esposa de que um acorde musical vivia a espancar-lhe os ouvidos, prejudicando-lhe o repouso. Pouco depois, decompunham-se as notas num milhar de sons majestosos. Já não lhe era penoso ouvi-los. Todos os ruídos se tinham transformado em música para os seus ouvidos. Música esplêndida, como ele nunca ouvira na Terra.
Essas afirmativas de vários de seus biógrafos provam sobejamente que Schumann era possuidor de várias mediunidades, inclusive a da audição, isto é, era médium auditivo. Ele próprio contou que certa noite se sentira inspirado pelos Espíritos de Schubert e Mendelssohn, e imediatamente procurou escrever o tema que lhe ditavam em Mi bemol. Em virtude dessa inspiração, compôs cinco variações para piano, que Brahms intercalou nas Variações para quatro mãos, dedicadas a Julia Schumann.
Roberto Litell, escrevendo acerca de Schumann, disse que, como muitos dos grandes compositores, tinha um sentimento estranho de que a música lhe vinha malgrado seu, e que não havia nada que ele pudesse fazer para impedi-la. Em tais momentos, seu estado de concentração era tal que ele podia compor calmamente, mesmo sob o acompanhamento de tiroteio nas ruas próximas.
E Alfredo Colling, em seu livro “A Vida de Robert Schumann”, conta-nos que ele seguidamente se locomovia de sua sala de trabalho à “mesinha”, nela sobrepondo as mãos, iniciando então uma conversação com voz abafada. Ao contemplar-se Schumann, nesses momentos em que discutia com o invisível, a impressão que se tinha era a de que ele se encontrava na linha divisória entre o conhecido e o desconhecido. “A música de Além-Túmulo – fala ainda Colling -, que ressoava em seus ouvidos, fazia-lhe, muita vez, recordar uma vida anterior, em cujo término mudou a envoltura corporal”.
É verdade que antes de se dedicar à música, seu Espírito esteve certo tempo indeciso; não sabia qual o rumo que tomaria, se o das musas, ou se o da música. Sente-se perfeitamente que seu Espírito ingressara nesta nova existência com apreciáveis cabedais da arte poética e da harmonia dos sons. Pendesse ele para a poesia e nesse setor artístico seria tão extraordinário quanto o foi no da música.
Camilo Mauclair, que estudou a obra musical de Schumann, assevera ser ela a linguagem de uma sensibilidade superior. Através das variações fugazes do ritmo e do timbre percebe-se realmente a presença de um ser vivo que se confia, chora, sorri, espera, grita sua dúvida, ascende ao absoluto ou espairece seu devaneio desencantado.
Grandes Vultos da Humanidade. Sylvio B. Soares
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